"Este é um disco de combate. Um disco de combate à malícia dos dias. Conceptual e fundamentado num exercício empático", disse Duarte, em entrevista à agência Lusa.
O fadista e autor da maioria dos 11 poemas gravados, contou que este álbum partiu da "escuta compulsiva" da canção "Algemas", de autoria de Álvaro Duarte Simões (1928-1990), interpretado por Amália Rodrigues (1920-1999), e com o qual abre novo álbum.
É a primeira vez que Duarte, distinguido em 2006 com o Prémio Amália Rodrigues/Revelação, grava um fado da diva.
"Foi uma epifania. O ponto de partida", disse à Lusa o intérprete, realçando que, sendo esta uma canção sobre o amor, esta palavra nunca é referida pelo poeta, "o que o torna mais forte".
Depois foi "todo um trabalho de empatia", procurar colocar-se no lugar das personagens, todas elas femininas. "Não foi ser o outro, mas pôr-me no lugar da personagem e escrever sobre determinadas questões".
"ReViraVolta", com letra e música de Duarte, que revela inspirações musicais no ritmo "saias" alto-alentejano, aborda "a mulher que canta os dias, não se deixando resignar a eles. A mulher que se resolve por ela e com ela mesma", explicou Duarte.
"Se for importante volta/ Se não for, não tem de ser", assim abre esta canção, em que se escuta ainda que "a vida tem muitas voltas", "as voltas são como dias", e que estas "fazem doer".
Com o material para o álbum todo reunido, o músico José Mário Branco (1942-2019) desempenhou um papel "importante" nas escolhas e nos caminhos a tomar, numa fase de pré-produção, sublinhou.
Duarte recordou à Lusa as palavras do músico e compositor de "Margem de Certa Maneira": "Não vamos dizer que é um disco de fado só porque gravámos três fados. Não vai ser um disco de fados, embora seja um fadista a cantá-lo".
Duarte reconhece que a sua "matriz é o fado", mas neste álbum explora "outros territórios musicais".
"Não fazia sentido usar o fado", disse, referindo que "há a esmo a utilização do termo 'fado' e depois procura-se e não se encontra".
Os "três fados" são o "Rosita", de Joaquim Campos, no qual interpreta "Mais do Mesmo", um poema seu em que aborda "a mulher que se inquieta face à espuma dos dias", o "Rosa", de João David Rosa, no qual gravou "Por Amor", também de sua autoria, a história de uma mulher casada que termina a relação com o amante, e o "Mouraria", melodia popular, no qual gravou "uma possível resposta ao fado 'Saudades Trago Comigo', tantas vezes cantado pelos homens", nomeadamente Camané, João Braga ou Carlos Zel (1950-2002), entre outros.
No fado "Mouraria", Duarte gravou "Saudades Trazes Contigo", uma letra sua.
"Leonor", de sua autoria, é o tema "de uma procura por Leonor de Almeida [1909-1983]", "misteriosa poetisa portuense", aclamada na década de 1950 do século passado, que o crítico literário João Gaspar Simões (1903-1987) considerou "um dos melhores poetas portugueses", e definida como "uma personalidade lírica invulgar", pelo ensaísta Jacinto do Prado Coelho (1920-1984).
Leonor de Almeida foi apresentada a Duarte pela sua amiga Cláudia Clemente, escritora e investigadora, autora de "Tatuagens de Luz" (Documenta), livro sobre a poetisa, que publicou no ano passado. Cláudia Clemente escreveu igualmente a apresentação de "Na Curva Escura dos Cardos do Tempo" (Ponto de Fuga), volume que reúne os livros publicados por Leonor de Almeida, a par de alguns inéditos, e ainda uma introdução da escritora Ana Luísa Amaral, professora da Universidade do Porto.
Para Duarte, o novo álbum, "No Lugar Dela", é "o cantar e o contar do lugar de umas quantas mulheres", "o olhar de um homem sobre esses lugares", "porque estar no lugar dela é estar no lugar do outro".
"Estar no lugar dela não é ser ela - o outro", insiste, "acreditando que, por este movimento", estar "no lugar dela", é possível "ter dias mais leves".
"Como se o remédio dos nossos dias fosse a empatia. Assim como se fundamental fosse a empatia", acrescentou o fadista.
Duarte é acompanhado por um trio de fado - Pedro Amendoeira, na guitarra portuguesa, João Filipe, na viola, e Carlos Menezes, na viola baixo e contrabaixo - e por um quarteto de cordas, clássico, composto por Vasken Fermanian e Liviu Scripcaru (violinos), Miguel de Vasconcelos (viola d'arco) e Teresa Araújo (violoncelo, aos quais se juntam o pianista Sérgio Rodrigues e as percussões de Ruca Rebordão.
"Vou-me Embora, Vou Partir" (popular), fecha o novo disco de Duarte, que vê nele um "ponto de chegada que é esperança de ser, partir, ver e conhecer".
A edição física em CD reúne não apenas a música, mas também um livro, que inclui fotografias de Isabel Zuzarte, sobre cada uma das canções, e ainda dois vídeos, desenhados por Cristina Viana, que expõem a essência do trabalho.
Duarte estreou-se discograficamente em 2004, com "Fados Meus". Nesse mesmo ano, passou a fazer parte do elenco da casa de fados Senhor Vinho, em Lisboa, dirigida pela fadista Maria da Fé e pelo poeta José Luís Gordo, onde se mantém.
Em 2007, a convite da compositora Evanthia Reboutsika e da cantora Elli Paspala, efetuou uma temporada de nove concertos no Teatro da Polis, em Atenas. E, no ano seguinte, participou no I Festival de Música Mediterrânica de Chios, na Grécia.
Em 2009, editou o álbum "Aquelas Coisas da Gente", que inclui "Mistérios de Lisboa", de banda sonora do filme homónimo de José Fonseca e Costa (1933-2015).
O seu terceiro álbum, "Sem Dor Nem Piedade", foi editado em 2016, ao qual sucede "No Lugar Dela".
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