“A intervenção na raiz do negrilho é uma profanação duma bela raiz centenária, duma obra da natureza que deveria ser exposta tal como era, de forma sóbria, apenas protegida das intempéries por um vidro com o poema de Torga gravado”, afirmou Clara Crabbé Rocha à agência Lusa.

A escultura do rosto de Miguel Torga na raiz de um negrilho de aproximadamente três toneladas está a gerar polémica. A árvore, que secou há uns anos, ficou imortalizada na obra do escritor.

A iniciativa foi da responsabilidade da Junta de São Martinho de Anta, a escultura foi feita por Óscar Rodrigues e o objetivo foi homenagear Miguel Torga na data do seu aniversário, que se assinala hoje.

“Como muitas centenas de pessoas que se têm manifestado publicamente, estou desolada com a intervenção que a Junta de São Martinho de Anta decidiu fazer na raiz do negrilho. Todos sabemos que a melhor maneira de homenagear um escritor é lê-lo e dá-lo a ler”, salientou Clara Crabbé Rocha.

A filha do escritor acrescentou que quem decidiu “homenagear Miguel Torga e assinalar o seu aniversário desta triste forma, não leu a sua obra”.

“Não pode ter lido. Se a tivesse lido, teria compreendido o sentido do poema 'A um negrilho', que é a interlocução entre um poeta e outro poeta”, afirmou.

E citou o poema: “Na terra onde nasci há um só poeta. Os meus versos são folhas dos seus ramos. Quando chego de longe e conversamos. É ele que me revela o mundo visitado (...)”.

“E o extraordinário é que vários de nós tentámos demover o presidente da junta quando nos pediu opinião. Nada feito. Deve estar feliz, porque teve o seu momento de glória nas notícias dos jornais. Mas não percebeu como expunha São Martinho de Anta ao ridículo”, frisou.

E acrescentou: “a vila natal de Miguel Torga, a que o poeta deu literariamente a dimensão mítica dum centro do mundo, não merecia isso”.

Clara Crabbé Rocha afirmou que, “se Miguel Torga fosse vivo, indignado com este atentado ao bom senso e ao bom gosto, pediria que acabassem de vez com esta triste história e que plantassem no largo um negrilho novo para as gerações futuras, o que ele próprio tentou fazer em vida”.

Realçou, no entanto, que hoje, dia do seu aniversário, se deve sobretudo recordar a sua obra, traduzida em cerca de 20 línguas, que continua a ser lida em Portugal e no estrangeiro.

“Felizmente”, na sua opinião, São Martinho de Anta “tem o privilégio de ter um Espaço Miguel Torga, obra da autoria dum Prémio Pritzker de Arquitetura (Souto Moura), que recebe anualmente milhares de visitantes”, onde está patente uma exposição permanente sobre a vida e obra do poeta e médico e que possui uma “programação cultural muito dinâmica e sempre variada, graças à dedicação do seu diretor e dos seus colaboradores”.

E lembrou que, em janeiro, foi ali apresentado, assinalando os 25 anos da morte de Miguel Torga e com a presença do Presidente da República, o livro “Cartas para Miguel Torga”, que em breve vai ser reeditado.

O presidente da Junta de São Martinho de Anta, José Gonçalves, disse à Lusa que a raiz estava a entrar em podridão e que, por isso, “foi preciso agir o mais rápido possível”, tendo-se optado pela escultura do rosto do escritor.

O autarca salientou, já na terça-feira, que não quer “alimentar mais polémicas” à volta desta intervenção.

Torga, cujo nome de batismo era Adolfo Correia da Rocha, nasceu a 12 de agosto de 1907 em São Martinho de Anta e morreu, em Coimbra, em 1995.

Entre algumas das suas obras destacam-se os "Contos da Montanha", "Bichos", "A Criação do Mundo", "Senhor Ventura" ou "Vindima", e na poesia "Rampa", "Abismo", "Lamentação", "Libertação" ou "Poemas Ibéricos".

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