Numa conferência de imprensa, em Lisboa, Gilberto Gil partilhou com os jornalistas que, desde que Lula da Silva voltou a ser Presidente do Brasil, tem sido “retomado um caminho de diálogos amplos, variados, entre o povo e as instituições”.

“Vejo o Brasil melhor. Vejo o fortalecimento das instituições republicanas, democráticas, que sofreram leves ameaças, vejo uma restauração da ordem democrática no seu nível mínimo desejável”, afirmou.

Gilberto Gil está em Portugal para três concertos, em Lisboa e no Porto, e esteve hoje à tarde na reitoria da Universidade Nova de Lisboa (UNL) para receber o título de doutor ‘honoris causa’, por aquela instituição de ensino superior pública.

Na cerimónia de atribuição do título, Gilberto Gil, de 81 anos, expressou a sua “gratidão profunda a todos da UNL”, e agradeceu o gesto da universidade para com um “cantor do simples, do subtil, quiçá do belo, por vezes acossado e assustado pelos horrores de um mundo traiçoeiro”.

“Mundo esse que é forçoso também contar no meu canto”, disse.

O reitor da UNL, João Sáàgua falou, durante a cerimónia, num “dia único” e “muito feliz” para a UNL, e que a atribuição do título Honoris Causa ao cantor brasileiro é uma “expressão de profunda gratidão e reconhecimento pela sua vida e obra”.

“No caso de Gilberto Gil, honramos valores fundamentais que corporiza de dois modos – pela arte (representa para nós valores da energia criativa, alegria sã, harmonia cósmica e compreensão profunda da humanidade) e pela cidadania (representa para nós valores de liberdade, diversidade, igualdade, democracia)”, referiu.

João Sáàgua salientou estes valores como sendo “certamente essenciais na sociedade hoje, com todos os desafios que ela enfrenta e sobre os quais, sendo um dia festivo”, não iria desenvolver.

“É extraordinário que um só homem represente tão bem tantos e tão importantes valores”, disse.

Num ano em que a UNL celebra 50 anos, o reitor mencionou ainda que, com esta distinção, aquela instituição quis também “honrar, através de Gilberto Gil, a cultura que se expressa em português e a presença da língua portuguesa no mundo”.

A cerimónia, que terminou com um momento musical a cargo do pianista Júlio Resende, contou com a presença do ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, do embaixador do Brasil em Portugal, Raimundo Carreira Silva, do vereador da Cultura da Câmara Municipal de Lisboa, Diogo Moura, da presidente da Câmara de Almada, Inês de Medeiros, do secretário executivo da CPLP, Zacarias da Costa, mas também de cantores como Sérgio Godinho, Ana Moura, Selma Uamusse, Pedro Mafama e Mayra Andrade, das escritoras Anabela Mota Ribeiro e Matilde Campilho, da antiga ministra da Justiça Francisca van Dunem e do antigo ministro da Cultura José António Pinto Ribeiro.

Nascido em 1942, em Salvador da Bahia, no Brasil, Gilberto Gil começou a carreira musical na década de 1950 a tocar acordeão, “inspirado por Luiz Gonzaga, pelo som da rádio e pelas procissões à porta de casa no interior da Bahia, até que surge João Gilberto, a bossa nova, e também Dorival Caymmi, com as suas canções imbuídas de praia e do mundo litoral”, como descreveu a promotora IM.par.

Figura central do Tropicalismo, Gilberto Gil também foi ministro da Cultura do Brasil entre 2003 e 2008, durante a administração do presidente Luiz Inácio “Lula” da Silva, e é membro da Academia Brasileira de Letras desde 2021.

Instado na conferência de imprensa a recordar os tempos em que tutelou a área da Cultura, Gilberto Gil contou que “aquele momento foi uma oportunidade de endereçar ao país, e ao mundo todo, uma série de questões, de quesitos, da proposição cultural permanente que se vai tornando cada vez mais densa, cada vez mais caudalosa, com as grandes massas humanas, os grandes mercados”.

“O Ministério da Cultura foi uma tentativa de amplificar essa compreensão sobre essa extensa vastidão do mundo cultural no Brasil e no mundo, num momento em que nas relações internacionais o fator cultural tem cada vez mais peso, com a desmaterialização obrigatória das funções práticas da vida humana. Um telemóvel é o exemplo extraordinário dessa desmaterialização, a concentração da vida cultural num pequeno aparelhinho. Foi um momento para amplificar esse discurso”, disse.

Sempre que é questionado sobre questões culturais, Gilberto Gil lembra que “a Cultura anda sozinha, anda por si própria: é o resultado de falares, falas, modos de convívio, permanente, e a reverberação desse convívio através das linguagens”.

No entanto, há um papel, “discutível”, que o Estado tem na vida cultural de um país.

“Fomento, incentivo, mapeamentos, para que as populações tenham ideia de como se colocar no plano cultural. Tudo isso é papel do Estado, do governo federal, dos governos estaduais, municipais", defendeu.

Gilberto Gil foi também questionado sobre o papel na Cultura numa altura em que há no mundo cada vez mais conflitos, entre os quais o que opõe Israel ao movimento islamita Hamas.

Para o músico, “a Arte, especialmente a música, todas as formas de expressão artística são balsâmicos, unguentos de que nos utilizamos para o amaciamento dessa musculatura enrijecida que é a humanidade cada vez mais complexa e cada vez mais volumosa, em termos de população, em termos de operação, a grande operação da vida contemporânea, moderna no mundo inteiro”.

“O papel da Arte, da canção em especial é balsamizar esse corpo todo no sentido de torná-lo mais suave, mais flexível, mais aberto e afeto às coisas do afeto e do amor, esse é o papel da canção, da música”, defendeu.

Gilberto Gil admite que “os aspetos tormentosos da vida humana” obrigam a um “discurso duro e menos harmonioso”, mas o papel da canção “é essa balsamização do corpo, em cada indivíduo e em todos os coletivos da sociedade humana”.