A escritora portuguesa Isabel Zambujal reedita este mês uma revisitação de "Auto da Barca do Inferno", de Gil Vicente, adaptada ao século XXI, com o título "Auto do Cruzeiro do Inferno", e prepara-se para adaptar um conto para cinema de animação.

"O que eu gosto em Gil Vicente é o tom crítico e o humor que, de alguma forma, tem a ver comigo e é mais fácil para mim de adaptar. Continua a ser tão atual tudo o que ele diz, e as personagens tipo do século XVI continuam a fazer sentido", afirmou a escritora à agência Lusa.

"Auto do Cruzeiro do Inferno" teve uma primeira edição em 2011, mas é agora reeditado com novas ilustrações de Cátia Vidinhas, com um contexto histórico pela escritora Isabel Stilwell e sugestões de atividades para os leitores, estando previsto um périplo por escolas para colocar a obra em diálogo com o original de Gil Vicente.

No livro, Isabel Zambujal recupera todas as personagens de "Auto da Barca do Inferno", de 1517 - ano em que o texto foi escrito - e atribui-lhes um novo contexto, à luz do que é agora a sociedade.

Mas na verdade, em quinhentos anos, "o ser humano mudou muito pouco, continua arrogante, mesquinho, corrupto - é muito fácil, por exemplo, encontrar um fidalgo arrogante, os quatro cavaleiros são agora quatro bombeiros, quatro soldados da paz", exemplificou.

Na transposição, Isabel Zambujal recordou que quis, sobretudo, "respeitar todo o cómico de situação e de caráter de cada personagem" de Gil Vicente que, neste auto, chega ao cais onde se decide quem vai o Céu ou para o Inferno, como a Alcoviteira, o Parvo e o Sapateiro.

Tal como grande parte dos jovens portugueses, também Isabel Zambujal tomou contacto com a obra de Gil Vicente nas aulas de Português e reconhece que o papel de um professor é relevante para entender e gostar dos textos daquele que é considerado o maior dramaturgo português.

"Tive uma boa professora de Português, que me fez gostar muito de Gil Vicente, porque fazia dramatizações, punha-nos a representar cada uma das personagens e tornava-se divertido e mais próximo de nós", disse.

Na obra, Isabel Zambujal propõe aos leitores que façam a sua própria dramatização do texto, seja numa peça de teatro, num 'podcast' ou em vídeos para a rede social Tik Tok.

"Auto do Cruzeiro do Inferno", editado este mês pela Oficina do Livro, é o primeiro volume de uma coleção intitulada "E se fosse hoje?", na qual Isabel Zambujal deverá revisitar outros textos clássicos da literatura portuguesa.

Isabel Zambujal, que se estreou na literatura em 2001 e já publicou livros ilustrados para crianças e jovens, entre contos e obras informativas, prepara-se para adaptar um conto seu para uma 'curta' de animação em 'stop-motion'.

O projeto conta com apoio do Instituto do Cinema e do Audiovisual para escrita de argumento e diz respeito à adaptação do livro "O pai natal que não comia queijo", com produção da Ready To Shott e realização de Carlos Cipriano.

Entre os seus textos mais conhecidos, com mais de uma dezena de edições, está "A menina que sorria a dormir", o seu primeiro conto.