"A linha que fecha também abre", exposição comissariada por João Pinharanda, que marcou a reabertura do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), em Lisboa, no ano passado, está entre as suas últimas mostras.

Na Sala do Teto Pintado do museu, confrontavam-se quatro desenhos e uma pintura do artista plástico contemporâneo, com oito desenhos florentinos e 'para-florentinos', do Renascimento, do acervo do MNAA, atribuídos a artistas como Baccio Bandinelli, Luca Cambiaso, Corregio, Pontormo e Francisco Venegas.

Na exposição, Sarmento promovia o que dizia ser uma das suas ações preferidas: "quebrar, de certa forma, as sequências temporais, temáticas ou estilísticas [...], [abrindo] novos caminhos de múltiplos sentidos, entre passado, presente e futuro".

No ano anterior, apresentara "Undisclosed", conjunto de esculturas inéditas, na galeria Carolina Nitsch, em Nova Iorque, nos Estados Unidos.

Visita de impresa à exposição

Nos últimos anos, Sarmento também conjugou a sua obra com a de Júlio Pomar (1926-2018), em "Void", que esteve no Atelier-Museu, em Lisboa, em 2016, e mostrou inéditos em Matosinhos, “No fio da respiração”.

Foi também em 2016 que participou no projeto de conclusão da pintura do teto da igreja de Santa Isabel, em Lisboa, da autoria do artista plástico Michael Biberstein, "Um Céu para Santa Isabel".

Nesse ano, em entrevista à agência Lusa, quando se preparava para expor na Gulbenkian, em Paris, disse: "O meu trabalho tem muitas vertentes. Tem uma vertente fortemente literária, arquitetónica, cinematográfica".

“Tenho quase 50 anos de trabalho, podia fazer milhões de exposições, todas diferentes. Podia fazer exposições em que não entrasse nenhuma mulher", realçou.

Foi a arquitetura a primeira área eleita nos seus estudos superiores, na Escola de Belas-Artes de Lisboa, e a seguir a pintura, que, Julião Manuel Tavares Sena Sarmento, nascido em Lisboa, a 4 de novembro de 1948, não viria a concluir.

Sarmento foi um dos artistas que participaram na exposição "Alternatica Zero", organizada por Ernesto de Sousa em 1977, onde foram reunidos trabalhos que tinham marcado a cena artística internacional na década anterior, e que projetou de forma determinante o futuro de muitos nomes que nela participaram, como Helena Almeida, Fernando Calhau, Ana Hatherly, Alberto Carneiro e Noronha da Costa.

No início de carreira, Sarmento frequentou a Cooperativa Gravura e já usava a fotografia, juntando a palavra escrita à imagem na sua linguagem artística, revelando uma faceta experimentalista que manteve ao longo da carreira.

Julião Sarmento: Retrospectiva no Museu de  Serralves

Por essa razão, usou uma miríade de suportes artísticos, nomeadamente a pintura, desenho, escultura, instalação, fotografia, filme, vídeo, som e a performance, e usando referências eruditas com origem na literatura e na filosofia, na arte e na arquitetura, na música e no cinema.

Logo em 1979 realiza exposições em Estugarda, Heidelberg e Bona, na Alemanha, e em Barcelona, Espanha, mas antes, após a revolução do 25 de Abril, foi convidado, a par do seu amigo, também artista, Fernando calhau para a Secretaria de Estado da Cultura, quando era secretário de Estado o escritor David Mourão-Ferreira.

Assumindo desde cedo uma vontade de se dedicar totalmente à criação artística, realizou dezenas de exposições individuais e participou em coletivas, em Portugal e no estrangeiro, nomeadamente em grandes certames internacionais de dicados à arte contemporânea, como a Documenta de Kassel (1982, 1987), e nas Bienais de Paris (1981), Veneza (1980, 2001, 2010) e São Paulo (1992, 2002), tendo representado Portugal na Bienal de Veneza em 1997.

Foi distinguido com o Prémio Internacional Il Lazio, de Itália, em 2009, e venceu, em 2012, o Prémio da Associação Internacional de Críticos de Arte na área das artes visuais, o Prémio Universidade de Coimbra, em 2009, o Prémio de Artes Casino da Póvoa, em 2013, e a Medalha de Prata de Mérito Municipal, de Sintra, em 1997.

Em Portugal, Julião Sarmento foi alvo de importantes exposições retrospetivas na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, em 1993, e no Museu de Serralves, no Porto, em 2012 e 2013, tendo sido alvo, no estrangeiro, de mostras relevantes, nomeadamente no Museu Rainha Sofia, em Madrid, em 1992, no Museu Witte de Witte, em Roterdão, nos Países Baixos, em 1991.

Dedicado colecionador de arte, exibiu publicamente, em 2015, parte da sua vasta coleção particular, na exposição "Afinidades Eletivas. Julião Sarmento colecionador", realizada em parceria com a Fundação Carmona e Costa, e comissariada por Delfim Sardo, com mais de 300 obras de cerca de uma centena de artistas, reunidas por Sarmento ao longo de três décadas.

Esta coleção particular de arte testemunha, de forma muito pessoal, a rede de contactos e de colaborações artísticas, de amizades e de afinidades do artista em Portugal e no estrangeiro, como Nan Goldin, Cristina Iglesias, Andy Warhol, Rita McBride, Cindy Sherman, Bruce Nauman, Marina Abramovic, Joseph Beuys, entre outros, e também os nacionais, como Eduardo Batarda, Fernando Calhau, Pedro Cabrita Reis, Jorge Molder, António Palolo.

Visita de impresa à exposição

Na sequência dessa exposição, a Câmara Municipal de Lisboa lançou, em 2017, um projeto para acolher a coleção privada de Julião Sarmento com o objetivo de a expor no Pavilhão Azul, no quadro de um projeto de recuperação, na sequência da assinatura de um protocolo de cedência do espólio com o artista.

Em 2019, fonte da autarquia tinha indicado à agência Lusa que o projeto de arquitetura, a cargo do arquiteto Carrilho da Graça, estava em vias de ser terminado para iniciar as obras.

A coleção privada de Sarmento, iniciada pelo artista plástico em 1967 quando andava na faculdade, reúne obras em pintura, objetos, instalações, vídeos e esculturas de artistas portugueses e estrangeiros que conheceu, com quem fez amizade ou conviveu, em algum momento da vida.

Só 5% das obras da coleção privada do artista plástico foram compradas, tendo trocado outras por obras de sua autoria, ou recebido de oferta, indicou o artista, quando da apresentação aos jornalistas, no Museu da Eletricidade.

Considerado uma figura central da arte portuguesa desde 1970, o artista, que morreu hoje, em Lisboa, foi dos primeiros a alcançar amplo reconhecimento internacional.

O seu trabalho está representado em coleções de arte públicas e privadas, em Portugal e no estrangeiro, nomeadamente no Centro Georges Pompidou, em Paris, no Museu de Arte Contemporânea de Serralves, no Porto, no Museu Nacional Centro de Arte Rainha Sofia, em Madrid, no Museu Calouste Gulbenkian, em Lisboa, no Museu de Arte Moderna e no Museu Guggenheim, ambos em Nova Iorque, no Art Institute de Chicago, e na Tate Collection, em Londres.

Julião Sarmento foi agraciado com o grau de Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada em 1994.