Criado em residência artística nas últimas semanas entre Leiria e Aveiro, “O Judeu” é um espetáculo de teatro, música e multimédia, que celebra António José da Silva enquanto cidadão e artista, dando a conhecer o percurso do homem nascido no Rio de Janeiro, no Brasil, e que foi poeta, dramaturgo e advogado, até morrer na fogueira, aos 34 anos, condenado pela Inquisição.

Descendente de judeus e por isso conhecido como “O Judeu”, António José da Silva “foi assassinado pela Inquisição em 1739, mas entre 35 e 37 do mesmo ano escreve nove óperas. Imagine-se se tivesse sobrevivido, que património não teria Portugal hoje…”, afirmou o encenador Frédéric da Cruz Pires, à agência Lusa.

Um convite feito ao Leirena Teatro, de Leiria, pelo Teatro José Lúcio da Silva e pelo Teatro Aveirense, está na origem da criação deste espetáculo original, em coprodução com a Filarmonia das Beiras.

“É a primeira oportunidade de coprodução com salas de teatro e, para mais, com uma orquestra”, realçou o diretor do Leirena, responsável pela opção por um espetáculo biográfico sobre “o maior dramaturgo português do século XVIII”.

“Por sentir que a sua obra não é de todo posta em cena dos compêndios da literatura portuguesa na escola, e porque é importante dar novamente destaque a este autor, decidimos contar a sua história”, acrescentou.

A acompanhar, há música da época, porque duas partituras com composições escritas pelo padre António Teixeira chegaram até à atualidade, nomeadamente para “Vida do grande D. Quixote de la Mancha e do gordo Sancho Pança” e “Guerras do Alecrim e da Manjerona”.

Em palco, recorda-se “uma história trágica”, envolvendo seis atores, 20 músicos, três cantores e um desenhador digital, Nuno Viegas, com papel-chave na ação.

“A Orquestra não está em palco para pôr música, está lá para jogar com os atores e os atores com ela - e, entre eles, o Nuno Viegas é como outro ator em palco, através do seu traço em tempo real, interagindo com cada cena”, antecipou Frédéric da Cruz Pires.

A enquadrar, há um cenário criado com centenas de velas e outros adereços de cera.

“A cera tem um lado simbólico, relacionado com a religião e a Inquisição. Mas também tem uma leitura metafórica, porque estala, como a pele”, explicou o encenador.

Apesar do drama que a perseguição pela Inquisição impôs a António José da Silva do nascimento até à morte, “O Judeu” é um espetáculo com momentos didáticos e de humor.

Frédéric da Cruz Pires reconheceu que o mais óbvio “era fazer um espetáculo trágico”, mas interrogou: “Porquê? A vida dele era assim? A obra dele era assim? Não. Ele fazia óperas joco-sérias. São maravilhosas e fazem pensar. Seguimos a mesma linha e aplicámos a máxima que ele seguia - ‘Zombando se dizem as verdades’”.

Depois de Aveiro, no sábado, no Teatro Aveirense, às 21h30, “O Judeu” é apresentado no Teatro José Lúcio da Silva, em Leiria, no dia 24.

“Queremos aguçar o apetite dos espetadores para conhecerem mais sobre o autor luso-brasileiro. Queremos que vejam, conheçam e vão à procura de mais sobre ele a partir daqui”, concluiu Frédéric da Cruz Pires.