Este livro de não ficção (os direitos de autor dos romances de Michel Houellebecq pertencem à Alfaguara), que terá o título “Alguns meses na minha vida”, seguindo o original francês, publicado em maio pela Flammarion, vai ser editado em Portugal pela Guerra e Paz até dia 10 de outubro, disse à Lusa o seu editor, Manuel Fonseca, que fez também a tradução.

“O grande centro do livro é a história de participação dele e da mulher dele num filme pornográfico feito por um realizador holandês, e que acabou em tribunal, onde ele se vem defender”, disse o editor.

Houellebecq é “muito pormenorizado” relativamente ao que se passou com o filme pornográfico, em que argumenta que foi enganado, mas “a forma como ele trata o engano é que tem graça”.

“Isto em si não era matéria para um livro, o que é matéria para um livro é a forma como ele aborda isto […], sobretudo as opiniões dele são de escandalizar a maior parte dos leitores ou de um público que seja mais conservador”, considerou Manuel Fonseca.

O segundo grande tema do livro tem a ver com uma “situação de declarações que ele fez numa entrevista dada a uma revista de Michel Onfray sobre a comunidade muçulmana em França, que levou a que o acusassem de racismo”, acrescentou.

Houellebecq fala sobre a conversa que teve com o grande imã em França, sobre as discussões que teve, as acusações que lhe foram feitas e, depois, como é que ele, com a ajuda do rabino, se conseguiu aproximar e falar com o imã, explicou o editor.

O autor de obras como “As Partículas Elementares” ou “O Mapa e o Território” decidiu esclarecer tudo num livro que se centra apenas no período que corre entre outubro de 2022 e março de 2023.

“Abarcando esse período, no fundo ele fala sobre duas coisas essenciais”, a primeira das quais é a sexualidade a abarca a sua participação no filme.

“Ele tem uma visão da sexualidade, ele é um defensor da pornografia, e o que é bonito no livro é por que é que ele a defende e como”, explicou Manuel Fonseca.

A segunda “chave” desta obra é uma “reflexão” que ele faz sobre o extremismo islâmico, que diz que “pode conduzir, em França, a uma guerra civil”, porque pode levar “substanciais fatias da população francesa” a tomarem atitudes para se defenderem desse extremismo islâmico.

É aqui que o escritor separa o extremismo da religião, afirmando que “como é evidente a prática da religião muçulmana não conduz a isso”, e se distancia “da possível má leitura que poderiam fazer de uma entrevista que deu a Michel Onfray”.

“Alguns meses da minha vida” é um livro pequeno, com 104 páginas, em que o autor revela como esse período de tempo foi – nas suas palavras - catastrófico para a sua reputação e saúde mental.

O escritor admite oscilar entre a depressão e o arrependimento, neste seu primeiro relato autobiográfico.

Em França, o livro, cujo título original é "Quelques mois dans ma vie, octobre 2022-mars 2023", foi editado em maio.

Em novembro de 2022, Michel Houellebecq assinou um contrato com um realizador, Stefan Ruitenbeek, para um filme pornográfico, mas segundo o escritor, terá deixado claro que não queria estar reconhecível.

No ‘trailer’ do filme, feito pelo coletivo holandês Kirac, o escritor é apresentado em pijama, desfraldado, deitado numa cama a beijar uma jovem mulher de camisa de noite, imagem que levou Houellebecq a afirmar que a sua reputação tinha sido prejudicada e que tinha sido retratado como uma “estrela pornográfica”.

Por isso interpôs ações em tribunal, primeiro em França e depois nos Países Baixos, para tentar proibir o filme, mas perdeu os dois casos, tendo o juiz, na última sentença, datada de março, declarado ser “incompreensível que Houellebecq tenha participado nas gravações, se achava o contrato realmente problemático”.

O escritor recorreu da sentença e, em maio, o tribunal decidiu que o coletivo de artistas Kirac deve mostrar ao escritor o filme, antes de este poder ser transmitido ao público em geral.

A outra polémica teve origem em palavras que disse numa entrevista com o filósofo Michel Onfray, que o reitor da mesquita de Paris considerou ofensivas e pelas quais apresentou uma queixa, segundo a EFE.

“Quando territórios inteiros estiverem sob controlo islâmico, penso que haverá atos de resistência. Haverá ataques e tiroteios em mesquitas”, afirmou o autor, que considera que “a grande substituição” é "mais do que uma teoria, é um facto" e que prevê que haverá “Bataclans ao contrário”.

Embora admita ter relido a entrevista antes da sua publicação, afirma não se ter apercebido do prejuízo que as suas declarações poderiam causar à comunidade muçulmana e, no livro que agora publica, suaviza as suas palavras e pede perdão.