Quem é o Mike El Nite?
Quem é? Sou eu, Miguel Caixeiro, em modo rapper pela segunda vez, depois de já ter tido um projeto de hip-hop e um projeto de eletrónica. Foi [este] o nome [com] que decidi voltar ao ativo. O Mike El Nite é o Justiceiro, da série. O trocadilho do nite, cigarro, para representar um bocado a efemeridade, não só das carreiras musicais como da vida e da noite. Era uma alcunha que o meu tio me dava quando eu era miúdo e eu decidi fazer um trocadilho com o nome e utilizá-lo.
“Justiceiro”, lançado pela NOS Discos e disponível para download gratuito, é o teu disco de apresentação. Depois da referência ao Michael Knight no nome, a escolha do título é uma necessidade de afirmação?
Sim, é uma escolha óbvia, mas que ao mesmo tempo engloba o conceito que eu queria para o álbum. Basicamente consiste na minha perspetiva do que é fazer justiça a uma série de coisas, não só a nível musical e ao nível de algum preconceito que há na comunidade hip-hop em relação à mistura de outros estilos, mas também a nível social. É um álbum muito crítico, a vários níveis.
Depois de uma mixtape – “Trocadalhos do Carilho” – e dois EPs – “Rusga Para Concerto Em G Menor e Vaporetto Titano”, o que mudou com “Justiceiro”?
O “Justiceiro” foi um processo muito mais pensado, mais coeso, com mais tempo, com mais ambição, com mais musicalidade, mais risco, mais aventura... É mais um degrau numa escada que eu tenho sentido que é a subir e que tem melhorado muito. Sinto que a qualidade do trabalho tem melhorado e quero que continue assim.
Escolheste o DWARF para a produção, mas assumiste o papel de co-produtor em alguns temas. Porquê?
Eu gosto muito de produzir, mas precisava de alguém que tivesse o know-how e mais conhecimento musical do que eu. Nesse sentido, o DWARF foi perfeito porque ele é mesmo muito bom. Ele nunca tinha tentado nada no meio do hip-hop e eu nunca me tinha sentado com um produtor a desenhar um disco. Foi uma aventura para os dois. Correu muito bem porque ele é de facto muito talentoso, e para mim foi incrível poder estar com um produtor ao lado, a dizer o que é que eu queria, e ele estar completamente aberto às minhas ideias.
Do nome ao título do álbum, passando à estética das letras e a escolha dos títulos… Vês demasiada televisão? O que é que andas a acompanhar ultimamente?
Vi muita televisão. Eu sou de 1989, portanto acho que sou a geração-ponte entre a geração que via muita televisão e a que já não vê televisão nenhuma, estou no meio. Somos a geração do modem a fazer barulho e da mãe a dizer “desliga a Internet”, porque queria falar ao telefone, e por isso tínhamos que nos voltar para a televisão. Muito pela vida noturna e pelo facto de os meus pais terem tido um bar, sempre estive muito habituado a horários noturnos e a questão das televendas, por exemplo, teve muita influência no EP. Hoje estamos na era do streaming e de ver séries online, mas acho que todos os meios difusores de informação são potes de ouro para quem quer samplar, tanto a nível áudio como a nível ideológico.
São muitas as referências nacionais em “Justiceiro” (bombos, Santamaria ou um sample do programa “Horizontes da Memória”, por exemplo). Somos facilmente sampláveis?
Eu acho que sim. Embora o disco tenha uma estética diferente daquilo que se faz lá fora hoje em dia, no hip-hop e no trap, quis pôr-lhe um cunho português. Eu adoro samplar coisas portuguesas porque é bom ir buscar coisas não muito óbvias e transformá-las em coisas que talvez funcionariam em qualquer parte do mundo, revelando essa universalidade da linguagem musical.
És filho de um dos fundadores da Brigada Vítor Jara, Joaquim Caixeiro, também conhecido pela carreira na música popular como Quinzinho de Portugal. O teu pai é uma influência para ti? Consideras-te também um músico de intervenção?
Tive muita carga interventiva, não só a nível musical como ideológico na minha educação. Gosto de o fazer, acho que a música é um grande veículo de ideias e de mensagens. É importante não saturar o público com intervenção, como um prato, deve-se temperar bem com vários ingredientes e, se possível, já que se tem um microfone na mão e que as pessoas nos estão a ouvir, dizer alguma coisa de responsável sobre este planeta.
Porquê os Santamaria? Tens feedback da parte deles?
Sim, tive mesmo de falar com eles porque o sampling é completamente óbvio e precisei da autorização da banda. Gostaram muito da música [Santa Maria] e fiquei orgulhoso porque não sabia qual seria a reação. O meu pai, tal como foi fundador da Brigada Vítor Jara, também tem um projeto de música pimba, por isso foi-me dada a conhecer muita música desse género. Os Santamaria não são tão bem esse género, mas incluíam-se nesse mercado na altura. É uma música [Eu Sei, Tu És] que passou pela minha vida e pela dos meus amigos, que ainda hoje ouvimos em festas, e decidi sampla-la. A música ficou brutal, o DWARF fez um trabalho incrível e apresentei-lhes e eles disseram “sim senhora, avança com isso”.
Foram várias as colaborações - L¬Ali, Nofake, Profjam e Kaixo - que marcam presença na tua estreia. Já pensaste em convidar o teu pai para uma colaboração?
Sim, mas em relação às colaborações não gosto de forçar as coisas e com o meu pai é complicado. Temos uma relação boa, mas a nível musical ainda não aconteceu aquele momento de nos juntarmos. Possivelmente acontecerá e ficarei muito feliz por fazê-lo. Vamos ver o que é o que o futuro tráz.
Como é que vês a cena do hip-hop nacional?
Neste momento explosiva. Imensos projetos de qualidade que merecem estar em palcos de festival e que estarão noutros festivais também. É engraçado ver alguns projetos com um buzz gigante online e depois não se ouve falar muito deles nos meios de comunicação grandes. Acho que estamos numa fase muito boa do hip-hop nacional. Para mim é uma segunda época de outro e eu só me sinto orgulhoso por fazer parte disso.
Está preparada alguma surpresa para a atuação no festival Super Bock Super Rock, dia 16 de julho, algo que nos possas contar?
Se é surpresa não posso dizer [risos]. Vamos ver, estamos ainda a preparar e a estruturar a coisa, mas será um misto de músicas novas com músicas antigas.
Quem ou a quê é que queres fazer justiça?
À própria música portuguesa, ao Mundo em si e a quem puder. Não há nada como justiça e é uma coisa que hoje em dia falta no planeta Terra.
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