O escritor italiano Andrea Camilleri, o "pai" do comissário Montalbano, faleceu esta quarta-feira (17) aos 93 anos, anunciou o hospital onde ele estava internado em estado crítico desde uma parada cardíaca em junho.

"O seu estado, ainda crítico nos últimos dias, piorou nas últimas horas, comprometendo as suas funções vitais", explicou o hospital de Roma em comunicado, acrescentando que o funeral será privado.

A Itália, porém, espera poder prestar uma última homenagem a este "papa" do romance policial.

Foi sob a sua caneta que nasceu, em 1994, o famoso comissário Montalbano, amante da boa comida e uma das principais figuras do romance policial europeu.

Diretor de teatro e de televisão e argumentista, Andrea Camilleri, tornou-se conhecido como romancista tardiamente, mas o sucesso foi avassalador.

Luca Zingaretti como o comissário Montalbano

O anúncio da morte deste ex-militante comunista provocou uma chuva de homenagens unânimes em toda a Itália e nas redes sociais, onde a mensagem "Ciao Maestro" ["Adeus, Mestre"] estava em alta.

"Esta é uma triste notícia para a Sicília, que perde o seu filho, e para a Itália, que vê partir um magnífico mestre da vida. Adeus Andrea Camilleri, vamos sentir a sua falta", declarou o vice-primeiro-ministro Luigi Di Maio.

O outro vice-primeiro-ministro, Matteo Salvini, elogiou "o incansável narrador da sua Sicília".

"Uma voz única e maravilhosa desaparece", escreveu Nicola Zingaretti, líder do Partido Democrata e irmão de Luca Zingaretti, o ator que interpreta o comissário Montalbano na televisão.

"Perdemos muito mais que um grande escritor. Restará para nós a beleza de suas histórias", acrescentou.

"Ele ofereceu a Sicília ao mundo", disse o ministro da Justiça, Alfonso Bonafede, ele próprio um siciliano.

O escritor deixa esposa, três filhas e quatro netos.

Fenómeno editorial

Camilleri foi protagonista de um verdadeiro fenómeno editorial ao conquistar os leitores com o comissário Salvo Montalbano e as suas intrigas policiais.

Nascido em Porto Empedocle, na Sicília, em 6 de setembro de 1925, Camilleri conseguiu um sucesso internacional espetacular com os romances policiais do comissário de Vigata, uma pequena cidade imaginária siciliana.

Com Montalbano, nome escolhido em homenagem ao escritor espanhol Manuel Vázquez Montalbán, tornou-se um dos escritores mais bem-sucedidos na Itália. A sua personagem é a protagonista de uma popular série de televisão que dura há 20 anos, supervisionada pelo seu criador e distribuída em muitos países, particularmente na América Latina.

Apesar de toda fama, Camilleri viveu com a mulher, durante mais de 50 anos, numa modesta casa de Roma.

Refratário em relação a escrever sobre a máfia, algo muito comum no seu país, Camilleri sempre se definiu como um homem de esquerda e a sua visão política estava implícita em todas as obras.

"Não lamento nada. Tive sorte na vida. Ganhei o meu pão, fazendo o que gosto de fazer", declarou recentemente numa entrevista.

Com mais de 100 títulos da sua autoria e 30 milhões de exemplares vendidos, a sua obra é impregnada da complexa e refinada mentalidade siciliana, como acontece com outro renomados autores da região, como Leonardo Sciacia, Giuseppe Tomassi di Lampedusa e Luigi Pirandello.

Em 2016, quando perdeu a visão, Camilleri publicou "L'altro capo del filo", uma nova investigação de Montalbano que contou ter ditado à sua assistente.

Entre os seus muitos livros, reconheceu preferir "O rei de Girgenti", sobre um camponês que se tornou o efémero rei de Girgenti, a antiga Agrigento, ainda sob domínio espanhol no século XVII.

O escritor, que estava a preparar uma peça sobre Caim para a temporada de verão nos Banhos Romanos de Caracalla, confessou recentemente em tom jocoso que gostaria de terminar a sua carreira, "contando histórias numa praça para depois passar o chapéu entre o público".