O EP “Epiderme” é “uma junção de vários sentimentos que estavam a acontecer” na altura do primeiro confinamento, no ano passado, e que NBC transformou numa história, “um relacionamento entre duas pessoas, em que uma está a tentar sempre pedir desculpa à outra e essa pessoa não lhe quer dar essa desculpa”. “O resultado final é a pessoa a fazer as pazes consigo própria, e este é o disco”, contou o músico Timóteo Santos (NBC), em entrevista à agência Lusa.
Mas este EP não era o plano que NBC tinha traçado para 2020. Antes de surgir a pandemia da COVID-19, estava preparar, com o músico Pedro Tatanka, o que ia ser um conjunto de quatro discos, cada um representando uma estação do ano.
Por ser um trabalho “muito grande, que vai meter orquestra”, quando a pandemia chegou deixou de haver “hipótese de poder ir a estúdio”.
Nessa altura, ao perceber que teria que ficar bastante tempo casa e para “evitar cair numa depressão” decidiu inscrever-se em aulas online sobre “matérias que nunca tinha experimentado fazer: produção musical, como misturar um disco, como captar uma guitarra com um microfone num espaço que não está especificado para o mesmo, como misturar, como masterizar”.
“Comecei a fazer esses cursos durante o dia, e depois à noite, como estava mais tranquilo em termos de sons e barulhos, comecei a experimentar novos temas, a escrever novos temas, novas letras que tinham que ver com aquele sentimento que eu estava a ter naquele momento muito específico, e que já não tinham nada que ver com os quatro discos que estavam a ser preparados antes”, recordou.
Na criação do novo EP, NBC resolveu levar à prática o que cantou no seu álbum mais recente, “Toda a gente pode ser tudo”, de 2016.
“Foi um disco que contava que ‘eu tenho que conseguir ultrapassar-me, tenho que dar oportunidade a mim próprio de fazer outras coisas e não ter medo, nem vergonha daquilo que os outros vão dizer’. Isto foi uma luta comigo, toda a minha vida”, recordou.
Em “Epiderme”, além de cantar, NBC toca guitarra e percussão, e foi ele que misturou e masterizou o EP, “tudo isto pela primeira vez”.
Apesar de já tocar alguns acordes de guitarra, nunca se tinha aventurado a gravar: “foi pegar na viola, com pouca preparação e pouca preparação acústica dentro de minha casa, mas fiz”.
“Eu sei perfeitamente que este disco é imperfeito, mas por isso mesmo tem um sabor maior, pelo facto de ter sido eu a fazê-lo todo”, partilhou.
Gravar pela primeira vez, em mais de 20 anos de carreira, temas em inglês, acabou por ser também uma consequência do confinamento ditado pela pandemia e pelos acontecimentos nos Estados Unidos, na sequência da morte de George Floyd às mãos da polícia.
“Fui sendo adicionado a alguns grupos, durante a pandemia, alguns que juntavam pessoas negras que partilhavam as suas histórias. Nesses grupos, cada um tem algo que é bom a fazer e pediam-me que mostrasse as minhas músicas, mas eram em português. Eles diziam que gostavam da forma como estava cantado, mas não percebiam, e perguntavam se eu não podia mandar algo em inglês, para perceberem o que eu tenho a dizer sobre a vida”, contou.
Nessa altura, começou a “escrever algumas coisas” e a partilhar nesses grupos. “Até que decidi fazer algumas para o disco, porque na fase em que estou o inglês também faz parte da minha rotina. E ao fazer parte da minha rotina, não faria sentido não estar dentro deste disco, que é uma rotina de uma pessoa que esteve numa pandemia”, explicou.
De álbuns que representam as quatro estações, passou para um EP “em que cada música representa uma cor, um estado de espírito, e todas juntas dão este último tema que se chama ‘Rainbow’ [‘Arco-íris’]”.
“Achei que faria sentido integrar esse arco-íris, a ideia de alegria e de que no final do arco-íris há um pote [de ouro]. Quis tentar idealizá-lo. Obviamente que é poético no seu sentido, mas não está explicito no disco, mas são de facto coisas que estão cá dentro e que eu quis contá-las desta forma”, disse.
“Epiderme” tem, para NBC, “uma razão muito mais profunda do que todos os outros” seus álbuns anteriores.
“Eu toquei percussão. Nunca me imaginaria a gravar percussão no meu estado normal para um disco meu, teria vergonha, iria chamar alguém que fosse percussionista para o fazer. A pandemia trouxe-me coisas muito valiosas, que eu nunca, de maneira alguma, numa situação normal iria pegar. Nunca na minha vida iria pensar produzir um disco, porque há pessoas que o fazem que são melhores do que eu, mas de facto o mundo mudou e eu tive que me adaptar”, disse.
A acompanhar o EP serão divulgados vídeos, que “existem para personificar as músicas”. “Quando começámos a desconfinar um bocadinho, surgiu a Leonor Fonseca, que é fotógrafa, que me ajudou a transformar as minhas ideias em vídeos de imagem parada”.
“Cada [vídeo] um tem uma cor também, sou eu a cantar as músicas, uma coisa muito simples, em que há a transmissão o sentimento. Agora somos mais a imagem visual do que presencial e tudo isso mistura-se na minha cabeça e transformámos em arte, digamos assim”, referiu.
NBC, como muitos outros artistas, não sabe quando poderá apresentar este novo trabalho ao vivo, está “sem certezas de nada, mas com vontade de tudo”.
Pensou se esta seria a melhor altura para pôr “Epiderme” cá fora, mas chegou à conclusão “de que não vale a pena guardar as coisas”.
“Guardar as coisas é um bocadinho como guardar sentimentos, então temos mesmo que deitar cá para fora esses sentimentos. O mundo mudou, nós temos que mudar com o mundo, mas não podemos estar constantemente a pôr os sentimentos na gaveta”, disse.
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