A sessão, que teve como mote a questão “O que é ser um homem?”, decorreu na Biblioteca Pública e Arquivo de Ponta Delgada, integrada na programação da Imprópria – Mostra de Cinema da Igualdade de Género, contando com jovens, todos homens, que integram os projetos da Associação de Promoção de Públicos Jovens (APPJ).

No início do seminário, Roy Galán lembrou que as diferenças de tratamento entre homens e mulheres acontecem desde da nascença, exemplificando com as cores habitualmente associadas aos bebés do sexo masculino e feminino (azul e rosa, respetivamente).

“Temos vergonha do indeterminado. Quando não sabemos o que é uma coisa, procuramos sabê-lo sempre. O ser humano tem essa necessidade”, afirmou, defendendo que a atribuição de determinadas características aos homens origina uma “realidade bastante cómoda” para a sociedade.

O escritor espanhol identificou como “mitos da masculinidade” as ideias de que os “homens não choram”, “só pretendem relações sexuais”, “são fortes” e “não pedem ajuda”.

“Ser homem é uma ideia que nos ensinaram sobre aquilo que os homens podem ou não fazer. É uma construção. (…) Um homem constrói-se sempre na base do não. Quantas mais coisas se proíbem, mais homem se é”, vincou.

Roy Galán, autor de várias obras relacionadas com o feminismo, direitos LGBTI e identidade de género, advogou que os homens procuram sempre a “aprovação dos seus iguais” com base em três negações: “o homem não pode ser uma mulher, não pode ser uma criança e não pode ser homossexual”.

“Todos os homens são privilegiados? Sim, temos uma série de privilégios que são óbvios. Mas esses privilégios não são iguais para todos os homens. Existem privilégios, mas também há de demonstrar a diferença dentro dos próprios homens”, assinalou.

Da plateia, chegaram testemunhos que relataram a “pressão para ser forte” imposta pela família e que alertaram para o facto de o tratamento discriminatório entre homens e mulheres acontecer, em muitos casos, de forma “automática”.

Um dos jovens alertou ainda para a importância de “não dar atenção” às críticas da sociedade, apelando aos colegas de sessão para “serem o que quiserem e não pensarem nos outros”.

No final, em declarações à agência Lusa, Roy Galán rejeitou que os mitos em torno da masculinidade sejam um “problema menor”, por comparação à discriminação sentida pelas mulheres.

Segundo defendeu, a situação masculina é um “problema urgente” até porque as questões das mulheres e dos homens estão “ligadas”.

“O feminismo está há muitos anos a estudar a masculinidade. Não se pode falar de mulheres sem falar sobre homens. Foram construídos por oposição. Se tocas num extremo de uma corda, ela move-se. Tudo isto são problemas urgentes”, afirmou.

O ativista espanhol considerou “fundamental” levar estes temas aos jovens, porque é durante a juventude que se “aprende a ser homem”.

“Não se está a levar em conta o lugar emocional dos homens. É o debate público que também se devia estar a fazer, sobre onde estão as emoções dos homens. Este é um dos maiores problemas”, apontou.

O psicólogo Pedro Gomes da APPJ também realçou a importância deste tipo de eventos para “mudar comportamentos e mentalidades” e despertar os jovens para a igualdade de género.

“Há muitas formas de interpretar a mesma situação. Há muitos rótulos e preconceitos sobre o que é ser homem e mulher, sobre o que é ser pai de uma menina ou de um menino. Aqui, a intenção é pô-los [aos jovens] a pensar e despertá-los para outras formas de ler a realidade”.

Pedro Gomes acredita que a “semente” da igualdade foi transmitida aos jovens presentes, através de uma sessão onde não existiram mulheres, e, “portanto, não houve vergonhas nem barreiras”.

“As principais diferenças entre homens e mulheres vêm dos nossos padrões, da nossa educação e da cultura. É isto que nos faz diferentes. Somos formatados ao longo da vida”, declarou.

Natália Bautista, da organização do festival, defendeu que um ‘workshop’ com homens e mulheres iria causar “muita polarização”, alertando para a necessidade de os homens passarem por um “processo reflexivo” sobre o género, algo “habitual” para as mulheres.

“Enquanto mulheres já fazemos esta pergunta [O que é ser homem/mulher?] há muito tempo. Dentro do feminismo tenta-se dizer aos homens em que é que eles têm de mudar para atingirmos a igualdade. Mas não funciona. O que funciona é homens entre homens a falar sobre a masculinidade”, apontou a assistente social de profissão.

A ativista radicada nos Açores defendeu que a “masculinidade tem de ser repensada”, porque uma ideia “baseada na virilidade” origina “agressividade e competição”.

“O feminismo é a procura da igualdade entre homens e mulheres. Sabemos que tal não é atingível se começarmos a negar a realidade dos homens e a realidade é que os homens também são atingidos pela desigualdade”, reforçou.

A Imprópria – Mostra de Cinema de Igualdade de Género começou na sexta-feira e prolonga-se até quinta-feira em São Miguel, seguindo depois, em novembro, para Santa Maria e, em dezembro, para a Terceira, utilizando a cultura para “fazer intervenção social”.