Na Tanoaria do Estabelecimento Prisional de Leiria, a orquestra toca, no sábado, com um elenco formado por reclusos e solistas profissionais. Um momento histórico que potencia as virtudes do projeto, sublinha o diretor artístico da Sociedade Artística Musical dos Pousos (SAMP), que coordena "Ópera na Prisão".
"É a primeira vez que a Orquestra Gulbenkian toca dentro de uma prisão, e, ao que sabemos, é a primeira vez que, em todo o mundo, uma orquestra com este nível profissional acompanha uma ópera dentro de uma prisão", afirma Paulo Lameiro, o diretor artístico da SAMP.
"Estamos a falar da mais prestigiada orquestra portuguesa. Ter a acompanhar esta ópera a Orquestra Gulbenkian elevou naturalmente todo o nível artístico da produção, pois solistas e reclusos, técnicos de luz e som, orquestradores e encenador, e todos os muitos profissionais que envolve qualquer produção de ópera, se deixaram contagiar pela responsabilidade desta prestigiada formação artística", explica o diretor artístico, admitindo que viagem da orquestra até Leiria implica "um esforço perfeitamente anómalo" à atividade normal.
Estreado pela SAMP em 2003, o projeto "Ópera na Prisão" funcionou durante três anos. Em 2014 regressou com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, integrado no programa Partis, que visa a integração social através das práticas artísticas.
No quinto ano desta nova fase, o foco de "Ópera na Prisão" incide sobre as famílias dos reclusos. Além dos 40 detidos envolvidos, também 60 familiares trabalham com a SAMP fora do contexto prisional.
Paulo Lameiro realça os resultados: "São visíveis e observáveis. Diria que o mais emblemático de todos é que, para esta vinda da Orquestra da Fundação Gulbenkian ao Estabelecimento Prisional de Leiria, teremos entre a equipa de técnicos profissionais um jovem que na edição anterior era um dos reclusos participantes".
Mas há mais: no público vão estar alguns jovens que também participaram na "Ópera da Prisão" em anos anteriores.
"Estando já em liberdade, quiseram mesmo entrar de novo na prisão que os cativou tantos anos, para aí ver e ouvir o que eles sabem bem: quanto suor custou a todos os participantes", frisa.
Para o diretor artístico, contudo, o efeito mais significativo "não é medível em nenhuma escala usada para classificar o impacto social destes projetos". E recorda o caso de outro recluso que fez parte do elenco da ópera anterior.
"Está hoje em liberdade, tem um emprego, uma mulher e um bebé de três meses, a quem acalma as cólicas da noite - para surpresa e estupefacção da mulher! - cantando-lhe as árias que aprendeu na prisão".
Intitulada "Pavilhão Mozart", a terceira edição contempla também a criação dentro do Estabelecimento Prisional de Leiria de "um centro de artes performativas cujo 'modus operandi' se pretende aberto à comunidade exterior para mostrar os trabalhos aí realizados pelos reclusos".
Segundo Paulo Lameiro, "depois de um longo processo", vão começar, entretanto, as obras numa das oficinas do Estabelecimento Prisional dedicado a jovens, para capacitar o espaço com meios de criação e apresentação artística.
"Vai mesmo nascer o Pavilhão Mozart. Em outubro iniciam-se três trimestres de criação com companhias de dança e teatro, já a funcionar no novo espaço, no qual a comunidade poderá depois ir assistir aos espetáculos que desse trabalho resultarem".
Após a estreia em Leiria, "Só Zerlina, ou Così Fan Tutte?" terá apresentação em Lisboa, no Grande Auditório Gulbenkian, nos dias 12 e 13 de julho, culminando o segundo ano da terceira edição.
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