O texto que o austríaco Kraus começou a escrever em 1915, um ano depois do estalar da Primeira Guerra Mundial, e que o próprio autor não concebia que viesse a ser encenado (exceto num “teatro do planeta Marte” e mesmo aí em dez serões), é descrito pelo tradutor, António Sousa Ribeiro, como “um drama sem paralelo fácil, em qualquer literatura”.

Com encenação de Nuno Carinhas e de Nuno M. Cardoso, “Os Últimos Dias da Humanidade” distribui-se em três espetáculos de cerca de duas horas cada, a partir de hoje e até 19 de novembro, dia em que vai haver uma sessão especial com a totalidade da peça: das 15:00 às 23:00, seguindo depois para o Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, de 12 a 22 de janeiro.

Nuno Carinhas disse aos jornalistas, depois de um ensaio para a imprensa de cerca de 40 minutos, que se trata de “uma gigantesca colagem”, referindo-se a Kraus como, “sobretudo, um grande ouvidor e um grande leitor e foi a partir daí que ele construiu este monstro”.

Com um elenco de 21 atores, estes desdobram-se em quase 200 personagens (com exceção para António Durães, que interpreta O Eterno Descontente ao longo de todo o texto), naquilo que os próprios encenadores classificam como “ginástica”.

“É muito exigente até se perceber que é um exercício de eles serem os demiurgos do texto. São eles que fazem passar o texto, não há grandes construções de personagens, não há personagens que nascem e envelhecem e morrem. São e estão completamente pulverizados em várias personagens, às vezes diminutas, que são vozes”, explicou Nuno Carinhas.

Por seu lado, Nuno M. Cardoso sublinhou que “há um trabalho prévio enormíssimo” em torno de um texto construído em grande parte de forma “documental”, por “figuras tiradas do real”, na maioria retiradas da imprensa.

Imprensa essa que é uma constante ao longo do texto, como realçou Nuno Carinhas, frisando que é o ardina “que vai dando uma espécie de evolução mais cronológica e mais histórica” do momento da guerra.

“Estas coisas são todas metáforas que podemos ter para nós, não mudou assim tanto. É mais higiénica a guerra em si, mas o que é que se está a passar agora? Estamos a ver a guerra em direto? Estamos a ver os tanques a posicionarem-se e as pessoas a fugirem. O que é aquilo? Loucura total e absoluta”, lamentou o também diretor do TNSJ, mencionando como exemplo o caso de Mossul, no Iraque.

Com música de Jonathan Saldanha e vídeo de Pedro Filipe Marques, “Os Últimos Dias da Humanidade” tem associada uma série de eventos, como uma conferência, a 12 de novembro (com o tradutor, António Sousa Ribeiro, Cândida Pinto, José Pacheco Pereira e Rui Bebiano), e o lançamento da versão integral da obra, que ocorre no mesmo dia.

Em 2003, foi publicada a primeira edição portuguesa, uma seleção de 115 cenas das 209 que constituem o texto original, pela editora Antígona. A versão integral, cuja tradução António Sousa Ribeiro agora completou, tem a chancela TNSJ/Húmus.