Já lá vão os tempos de fúria “rocker” - algo que podia ser lógico para uma artista com 76 anos. Mas, na verdade, Patti Smith já largou o estilo de vida associado ao “rock’n’roll” há muito mais tempo - quando casou e decidiu criar os filhos, nos anos 1980.
“M Train” é uma espécie de mistura entre idas ao café, viagens, leituras de livros, um projeto concreto (a compra de uma casa em Rockaway Beach) e algumas memórias esparsas pelo caminho - a maioria das quais sobre Fred “Sonic” Smith, com quem foi casada desde 1980 e que teve uma morte prematura, aos 45 anos, em 1994.
Na sua maior parte, o livro desenrola-se como uma conversa íntima, onde a artista constrói um ambiente de permanente solidão. Neste espaço com raras menções a outras pessoas (exceções à sua viagem ao Japão ou do seu futuro vizinho em Rockaway), incluindo os filhos, Smith opera mais no sentido de construir uma espécie de rotina vagamente ritualizada do que em “contar histórias”. Na sua casa de dois pisos, três gatos fazem-lhe companhia; e, um pouco por todo o lado, são as séries policiais televisivas que a ajudam a dormir.
Dentro deste quotidiano, onde termina por expor um tanto involuntariamente o seu mundo de pequenas neuroses, obsessões e superstições - para além de um raro “talento” para perder objetos importantes - o grande destaque, claro, é o café. Num dado momento ela chega a dizer que consegue tomar 17 num dia sem perder o sono!
Depois há escritores, toneladas deles - onde a artista presta conta dos seus mais amados, citando alguns, analisando outros, revelando-se “devastada” por uns tantos livros. A sua devoção vai ao ponto de fazer múltiplas visitas a cemitérios, túmulos, casas de artistas e fotos de objetos que pertenceram aos grandes do passado - exceto, obviamente, para aqueles com quem ela pôde conviver - Jean Genet, William Burroughs, Paul Bowles.
Em poucos momentos o livro sobe de tom em termos emocionais, abandonando o sabor dos detalhes de um presente cuidadosamente saboreado. Num deles, a autora mistura as memórias sobre a morte de Fred Smith, ocorrida na altura do Halloween, com a chegada devastadora do furacão Sandy - que assolou a costa Leste americana em 2012.
“Parecia que um elevado número de forças convergentes trazia essas memórias para o presente. Halloween. Dia de Todos os Santos. Dia de Finados. Dia da morte do Fred. Acelerar por Detroit na manhã (...) com Fred deitado na ambulância, para o mesmo hospital onde nasceram os nossos filhos. Regressar a casa sozinha, depois da meia-noite, com uma trovoada atroz”.
Mais a seguir, a olhar para o teto, associa novamente passado e presente: “Conseguia sentir o Fred mais próximo do que nunca. A sua raiva e tristeza por a vida o estar a pôr de lado. A claraboia estava a deixar entrar muita água. Era um tempo de lágrimas”.
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