Com texto e encenação do diretor artístico da CTA, Rodrigo Francisco, “Um gajo nunca mais é a mesma coisa” regressa ao palco da sala Experimental do Teatro Municipal Joaquim Benite (TMJB), de 1 a 31 de outubro, depois de aí ter sido apresentada em julho, após a estreia no 38.º Festival de Almada.
Protagonizada por Luís Vicente, da coprodutora ACTA (A Companhia de Teatro do Algarve), no papel de um ex-combatente, a peça constitui “uma oportunidade para refletir, para olhar para a história, para ter dados históricos e para perceber o que é que se passa com estes homens que estão a chegar ao limiar das suas vidas, e de que forma é que encaram esse passado de participação na guerra colonial”, disse Rodrigo Francisco à agência Lusa, quando da estreia, em julho.
Para Rodrigo Francisco, o projeto impôs-se porque, apesar de ter assistido a alguns espetáculos sobre a Guerra Colonial, nunca ficou "inteiramente satisfeito com a forma como a perspetiva dos ex-combatentes portugueses era tratada”: "As abordagens não proporcionavam a atenção que estes homens merecem por parte da sociedade [portuguesa]”.
A escrita da peça surgiu por acaso ao diretor da CTA quando, numa tarde, um colaborador do teatro, de 71 anos, que não faz parte da companhia, lhe disse que tinha acabado de se divorciar.
Sentaram-se os dois a conversar “um bocadinho”, que acabou por se prolongar por uma tarde inteira, durante a qual o colaborador do teatro lhe falou sobre a experiência que tivera na Guerra Colonial.
“Este homem está a divorciar-se de quem? Está a divorciar-se da sua mulher ou está a divorciar-se das suas memórias?”, questionou-se, na altura, Rodrigo Francisco, até que o ex-combatente o convidou para participar num almoço em que ele e os seus companheiros de guerra assinalavam o cinquentenário da partida do batalhão para África.
“E aí contactei com uma realidade que me era bastante estranha e, sobretudo, pus-me a perguntar porque é que, às pessoas da minha geração, que nasci no início dos anos 1980, nunca lhes foi contada esta história”, acrescentou Rodrigo Francisco.
Para Rodrigo Francisco, “está na altura de falar destes temas, mas falar de uma forma inteligente e não aos gritos”, como tem acontecido.
Uma realidade que vê escamoteada por ser complexa, porque os ex-combatentes “são vítimas, mas muitos destes homens também cometeram crimes”, frisou.
Para o encenador e diretor da CTA, dizer que “o conflito colonial era uma coisa de pretos contra brancos é uma adulteração da verdade histórica”, sublinhando que a guerra “não era uma questão racial”.
“É claro que os africanos eram [tratados como] cidadãos de segunda, isso nunca está posto em causa, mas a realidade é muito mais complexa do que a forma como muitas vezes somos tentados a olhar para ela num sistema binário de sim e não", concluiu.
Porque muitos dos ex-combatentes “eram pessoas que não tiveram acesso à educação, foram mandados combater sem perceberem o que estava a acontecer e, por isso, não podem ser julgados com os olhos de hoje em dia, com os valores de hoje em dia”, declarou.
O racismo, a globalização e o fantasma cada vez mais presente da extrema-direita são outros dos vértices em que se move “Um gajo nunca mais é a mesma coisa”.
Com cenografia de Céline Demars e figurinos de Ana Paula Rocha, a interpretar estão também Afonso de Portugal, que assina a música, João Farraia, Pedro Walter e Lara Mesquita.
A reposição de “Um gajo nunca mais é a mesma coisa” assinala ainda o regresso da iniciativa "Conversas com o Público" ao TMJB, a realizar todos os sábados de outubro, às 16h00.
O coronel do exército reformado e autor de livros sobre a Guerra Colonial Carlos Matos Gomes (dia 2), a autora do livro “Os silêncios da Guerra Colonial”, Sara Roque (dia 9), e a realizadora do documentário “Sinais de Vida – Cartas da Guerra 1961-1974”, Joana Pontes (dia 16), contam-se entre os convidados das cinco conversas, que serão moderadas pela investigadora Maria José Lobo Antunes.
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