A situação foi testemunhada à agência Lusa pela atriz e encenadora Teresa Gafeira, a única sobrevivente do núcleo original do Grupo de Teatro de Campolide que deu origem à Companhia de Teatro de Almada (CTA), que todos os anos organiza o festival internacional de teatro, que este ano cumprirá a 41.ª edição.
"De há uns anos a esta parte, vivemos um dilema que é a história de o subsídio que é atribuído [pela Direção-Geral das Artes (DGArtes)] à companhia ser atribuído à companhia e ao festival. Portanto, a companhia que se amanhe", frisou Teresa Gafeira, em entrevista à agência Lusa.
Mas "um festival é uma coisa muito cara", frisou. "É uma coisa caríssima e, portanto, acho que temos direito de exigir que este projeto seja devidamente apoiado porque senão as coisas morrem", acrescentou a encenadora, sublinhando que "os festivais morrem quando não têm capacidade de se desenvolver".
O Festival de Almada, fundado em 1984 por Joaquim Benite (1943-2012), é desde então organizado todos os anos, em julho, pela CTA com a Câmara Municipal de Almada, tendo-se imposto a nível nacional e internacional desde as primeiras edições, trazendo a Portugal os principais nomes do teatro mundial.
Pelo Festival de Almada já passaram companhias como o Piccolo Teatro di Milano, o Théâtre des Bouffes du Nord, o Teatro de la Abadía, a Schaubühne e o Berliner Ensemble, e encenadores como Peter Brook, Peter Stein e Thomas Ostermeier, Bob Wilson, Daniel Veronese, Giorgio Strehler, Luca Ronconi e Patrice Chéreau, sem esquecer os principais criadores portugueses, de Luis Miguel Cintra a Tiago Rodrigues ou Ricardo Pais.
Manter o nível do certame, a par dos festivais europeus, é vital para a companhia. Mas se estes projetos deixam de se desenvolver, "o público perde as expectativas e começa-se a perder público e o festival vai à vida", disse Teresa Gafeira à Lusa, sublinhando que "a história de todos os festivais portugueses foi assim".
"Vai à vida porque fica estagnado, já não consegue mais. E, geralmente, já não consegue mais, muitas vezes por razões económicas. Já não pode ir mais longe", enfatizou. Por isso, Teresa Gafeira considera que, neste caso, exigir "até é um sinal de independência. (...) Exijo porque estou a fazer um serviço. E um serviço que é serviço público", frisou.
"Porque é que não hei de exigir? Qual é o problema? O que é que isso tira a minha independência?", questionou, sublinhando considerando que a independência hoje reside em "as companhias terem a capacidade de ter a sua cabeça independente". E exemplifica: "Se quando um ministro vai para o governo [...] gosta disto e daquilo, [...] por que raio tenho de fazer aquilo que aquele ministro gosta?"
"Um artista é um artista, um artista é para se expressar, porque tem qualquer coisa para dizer", sustentou, alegando que não têm de "ir atrás de gostos para agradar a fulano de tal". Por isso, a atriz, com mais de cinquenta anos de carreira, considera que as imposições de critérios nos concursos da DGArtes constituem "uma estupidez", porque ao imporem-se critérios, está-se a "limitar" a capacidade criativa", concluiu.
Para a edição deste ano do Festival de Almada, a CTA anunciou já a participação de Bob Wilson e Lucinda Childs, com o projeto “Relative Calm”, a ser apresentado no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.
“Sans tambour”, uma produção do Théâtre des Bouffes du Nord, fundado por Peter Brook, a estreia de “Além da dor”, texto de Alexandre Zeldin encenado por Rodrigo Francisco da CTA, e o regresso de “Jogging”, um solo da encenadora e atriz libanesa Hanane Hajj Ali, eleito Espectáculo de Honra pelo público do festival no ano passado, são outras propostas já conhecidas para a 41.ª edição, que terá início a 04 de julho, e cuja programação integral será anunciada na próxima sexta-feira.
A Companhia de Teatro de Almada teve origem no Grupo de Teatro de Campolide, fundado em 1971 por Joaquim Benite.
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