Palco Caixa: comida portuguesa na mão, conversa em dia, alguns copos erguidos (provavelmente com vinho português), muita gente sentada e apenas alguns de pé já à espera de Kátia Guerreiro. Foi este o cenário do primeiro dia da segunda edição do Caixa Alfama, neste sábado. Em 2014, coube à fadista Kátia Guerreiro abrir o festival no palco principal.

Um breve olhar pelas várias multidões espalhadas por Alfama faz-nos acreditar que este não é só um festival para um público mais velho: entre as caras presentes vemos estrangeiros (não estivesse um cruzeiro ali atrelado), casais jovens atraídos pela nova vaga do fado, e ainda os imigrantes curiosos que vieram saber que mudanças afetaram um estilo que já foi considerado Património Imaterial da Humanidade. O vento sopra a favor do fado, mas a chuva ameaçou durante vários momentos da noite. No final, uma certeza: deu para matar a saudade.

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Às 21h30, o público protestava pelo atraso, mas cinco minutos depois Kátia Guerreiro sobe a palco, fazendo esquecer qualquer espera mais demorada. Acompanhada por quatro guitarristas, Guerreiro começa logo com um fado onde referencia o local onde o fado vive: Alfama. Os presentes, entusiasmados, começam logo a bater palmas à medida que acompanham o início de Guerreiro, ao qual se seguiu a canção Asas: “só quem ama tem razão para entender a emoção que me dás no teu abraço”, cantou. E logo de seguida, a fadista leva com um “eu amo você” disfarçado do público – mais uma evidência de como o entusiasmo vivia do lado das palmas.

Entre fados, Kátia Guerreiro falou do novo ciclo do fado, “a nova história do fado”, que começou há 14 anos. Também ela faz parte desta vaga que tem conquistado os portugueses e que, segundo a própria, “honra a memória de Amália Rodrigues”. Guerreiro aproveita para anunciar o lançamento de um novo álbum em novembro, tendo cantado dois temas novos nesta atuação. Rosa Vermelha, Segredos, Vodka e Valium foram outras das canções que compuseram este concerto, até ser horas de rumar à interventiva Bacalhau: Ana Bacalhau, vocalista dos Deolinda.

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Perto das 22h, a atuação já ia a meio da sua intervenção no Grupo Sportivo Adicense. Lá foi possível ver a veia interventiva de Ana Bacalhau, num outro registo, mas tal e qual se mostra em palco com os Deolinda. Gesticulou e deu intensidade à voz num ambiente mais intimista, onde o humor reinou, apesar de Ana Bacalhau – enquanto enchia chouriços – ter garantido que não sabe contar anedotas. Dos fados que cantou destaca-se o ‘Tem três letras o meu nome’ (nem a propósito, Ana), um fado menor que, nas palavras de Bacalhau, “é sempre um desafio”. Antes de irmos embora, ainda nos deixou um aviso: “não sou fadista”.

A vontade e curiosidade de ver Gisela João era tanta que o SAPO On The Hop entrou na aventura de tentar encontrar o Centro Cultural Dr. Magalhães Lima. Como é óbvio, entramos em ruas estreitas, perdemo-nos em Alfama como nunca, mas descobrimos outras facetas desta zona. Com sorte, e depois de longas passadas por ruas que nos pareciam sempre iguais, conseguimos – através da multidão que erguia os leques por causa do calor – sinalizar o lugar onde Gisela João já estava a cortar o fôlego dos presentes.

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Chegados ao concerto, por volta das 22h45, fomos logo conquistados pelo ar bem-disposto de João. Acompanhada por uma extensa banda e um maestro que se aventurou na jovialidade de Gisela, a fadista barcelense deixou todo de queixo caído. Com um vestido branco e largo, contrastando com as restantes fadistas de preto, Gisela João teve direito a várias salvas de palmas, a sair e a voltar para um longo encore que, ainda assim, não fez ninguém sair da sala: pelo contrário, eram muitos os que tentavam entrar. “É o que eu sinto… uma conversa com o coração que qualquer um de nós pode ter”, conta-nos Gisela João sobre a sua relação com o fado. Com um sorriso de orelha a orelha, terminou o concerto em festa, com Maldição e outras canções populares que puseram todos a dançar: “não tem nada que saber” (Bailarico Saloio).

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De regresso ao palco principal, já se esperava por Ana Moura e António Zambujo, que só entraram 15 minutos após a meia-noite, no sítio onde “mora o fado”. O início é morno, mas logo aquece com a revelação de que Zambujo faz anos: o público aproveita e canta os parabéns. “27 anos não se fazem todos os dias”, brinca o cantor. Com uma banda bem composta, Moura e Zambujo vaguearam entre as canções originais de ambos e ainda das influências que os dois partilham. A interação foi constante, quase como numa luta conjugal em pleno palco, e deu vida a um concerto calmo. Vários foram os pedidos para Desfado, Lambreta ou Zorro, a partir do público que sempre se mostrou entusiasmado, apesar da ameaça da chuva. Ana Moura e António Zambujo dançaram, cantaram, tocaram, falaram e animaram o suficiente para fazer valer a pena a espera, e encerraram o primeiro dia do Caixa Alfama 2014 em beleza.

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Por último, só falta criticar os horários: tanto talento em tão pouco tempo e tanta distância entre os locais, deixa a nossa escolha difícil. Unificar mais o cartaz, os horários e os locais não seria uma má medida para a próxima edição.

Fotografias: Rita Sousa Vieira