Ao anunciar o prémio ao romancista austríaco de origem eslovena, em outubro, a Academia Sueca provocou indignação nos Balcãs e em vários países pelo apoio de Handke ao falecido homem forte de Belgrado, Slobodan Milosevic.
Até o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, disse estar indignado com o prémio Nobel que, aos seus olhos, "não tem valor". "Entregar o Prémio Nobel de Literatura no dia dos direitos humanos a uma personagem que nega o genocídio na Bósnia-Herzegovina é como recompensar violações dos direitos humanos", afirmou num depoimento à televisão turca.
A polémica quase ofuscou o anúncio da vencedora de 2018, a polaca Olga Tokarczuk, psicóloga de formação e ativista de esquerda, ecologista e vegetariana, que se tornou a quinta mulher a receber o prémio desde a sua criação, em 1901.
Aos 77 anos, Peter Handke recebeu o prémio das mãos do rei Carl XVI Gustaf durante uma ceriménia formal com os vencedores das outras categorias, exceto o Nobel da Paz, que foi dado em Oslo ao primeiro-ministro etíope Abiy Ahmed, pela conduzir a reconciliação entre seu país e Eritreia.
Boicotes e pedidos de demissão
A Academia Sueca decidiu premiar Handke pela sua sua obra que, com "engenho linguístico, explorou a periferia e a singularidade da experiência humana", elogiado como "um dos escritores mais influentes da Europa desde a Segunda Guerra Mundial".
A instituição que sempre defendeu que trabalha para que a política não influencie a sua atividade atuou para tentar reconstituir sua credibilidade nos últimos dois anos, após o escândalo de agressões sexuais que provocou a sua implosão em 2017. O caso provocou o adiamento do anúncio do prémio de 2018, que finalmente foi atribuído a Olga Tokarczuk.
"Handke não é um escritor político", insistiu o presidente do comité Nobel de Literatura, Anders Olsson.
Mas a escolha de Peter Handke não parece ter acalmado o cenário.
Um elemento do comité Nobel de Literatura anunciou a sua renúncia no início do mês por causa da vitória do austríaco. E na sexta-feira, horas antes de Peter Handke conceder uma conferência de imprensa, o eminente académico Peter Englund anunciou que não compareceria à cerimónia de entrega.
"Não participarei na semana do Nobel este ano. Celebrar o prémio Nobel de Peter Handke seria pura hipocrisia da minha parte", anunciou Peter Englund, historiador e escritor, no jornal Dagens Nyheter.
Secretário perpétuo da Academia Sueca entre 2009 e 2015, Englund cobriu os conflitos dos anos 1990 nos Balcãs para jornais suecos.
Os embaixadores do Kosovo, Albânia, Turquia e Croácia também anunciaram um boicote à cerimónia.
Em 1996, um ano após o fim dos conflitos na Bósnia e na Croácia, Peter Handke publicou um panfleto, "Justiça para a Sérvia", que gerou muita polémica. Em 2006, compareceu ao funeral de Milosevic, que morreu antes de ouvir a sentença por crimes de guerra no Tribunal Penal Internacional.
Manifestações em Estocolmo
Após a cerimónia de premiação, entre 500 e mil pessoas reuniram-se no centro de Estocolmo para uma manifestação contra a escolha de Handke, exibindo bandeiras da Bósnia e usando pulseiras brancas, como as que os não-sérvios eram obrigados a portar na Bósnia em 1992.
Premiar Handke foi "uma péssima decisão", disse à AFP Ernada Osmic, refugiada da Bósnia que chegou à Suécia em 1995 com a filha.
"Ele tem o direito de escrever o que quiser. O problema é que ele está a ser homenageado pelos seus textos", reagiu a organizadora de uma das manifestações, Teufika Sabanovic, entrevistada pela AFP.
Na conferência de imprensa na sexta-feira passada, o escritor queria evitar controvérsias e disse que gosta de "literatura, não de opiniões".
Mas, numa entrevista ao semanário alemão Die Zeit, em novembro, Handke defendeu o seu controverso apoio à Sérvia. "Nenhuma das palavras que escrevi sobre a Jugoslávia é de denúncia, nem uma. É literatura", disse.
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