O especialista em Fernando Pessoa e autor de “Pessoa: A Biography”, recentemente publicada, Richard Zenith, dedicou a sessão de encerramento do Congresso Fernando Pessoa, que decorreu na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, entre os dias 13 e 15 de outubro, ao tema “Pessoa e a tentação da fama”.

Na sua intervenção, Zenith começou por afirmar que Fernando Pessoa já ambicionava ser um grande poeta aos 18 anos, quando sonhou com um homem que se imortalizou, e as suas reflexões na altura, enquanto jovem escritor, permitem acrescentar sobre a heteronímia, que a obra em si é que tem valor e não o nome de quem a produz.

Fernando Pessoa – que apenas publicou em vida a “Mensagem”, enquanto obra, já que teve várias publicações de poesia e prosa em periódicos – “pouco se preocupou com a publicação em vida” e disso é exemplo um momento, em 1920, em que o poeta Luis de Montalvor lamentava o facto de ser pouco conhecida a obra de Pessoa, facto que este minimizou, pedindo ao amigo que não se preocupasse com isso.

Fernando Pessoa

Pouco antes de fazer 26 anos anunciou à mãe que ia publicar um livro, mas angustiava-se com “a perda irreparável” que tal feito acarretava, o ser inédito.

Fernando Pessoa escreveu que os seus amigos lhe diziam que seria “um dos maiores poetas contemporâneos”, mas ao mesmo tempo temia que a celebridade soubesse a morte e a inutilidade, explicou Zenith, mostrando um escrito de Pessoa, em que este afirmava que “talvez a glória saiba a morte e a inutilidade, e o triunfo cheire a podridão".

Entre 1924 e 1925, a revista Athena revelou pela primeira vez a poesia de Ricardo Reis e Alberto Caeiro, mas “se Pessoa esperava reconhecimento, ficou desapontado porque ninguém reagiu”, disse Zenith.

Cinco anos mais tarde, Fernando Pessoa escreveu “Erostratus”, um ensaio inacabado, composto por dezenas de trechos, em inglês, sobre o fenómeno e as condições da celebridade póstuma.

Neste ensaio explicava que “a verdadeira grandeza literária, por ser um avanço sobre o mundo de literatura em que nasce, nunca é reconhecida em vida de um autor mas apenas por gerações vindouras”.

“Com esta teoria, o ensaísta parece ter arrumado o assunto das suas ambições literárias. Uma vez que queria ser imortal, a fama em vida lhe era proscrita, não lhe interessava”, considerou Richard Zenith.

Mas "a fama continuou a tentar a vida terrena de Pessoa" e disso mesmo foi exemplo o Prémio de Poesia Antero de Quental a que concorreu com “Mensagem”, apesar de se ter mostrado “desprendido”, numa carta para Adolfo Casais Monteiro.

Fernando Pessoa ficou “envolvido com a ideia do prémio, convencendo-se de que tinha possibilidade de vencer” e, numa dedicatória ao jornalista, poeta e ficcionista Augusto Ferreira Gomes, mostra-se agradecido pelo empenho do amigo, sem o qual o livro não seria publicado.

No entanto, três dos quatro membros do júri do prémio preferiram o livro do padre Vasco Reis, “A Romaria”, tendo a “Mensagem” ganhado a segunda categoria do prémio.

Apenas Teresa Leitão de Barros achou que a “Mensagem” era um livro superior a “A Romaria”.

“A desilusão de Pessoa é facilmente percetível” e disso mesmo dá conta um “poema pouco conhecido que escreveu no inicio de janeiro”, explicou Zenith.

Nesse poema, começa por se afirmar casual e fortuito, sonhador mas sem vontade nem esforço para “conquistar o quê?/A glória? A ciência? O poder?/O que é que tudo isso é?”.

Mas depois termina aludindo diretamente a Vasco Reis: “Pastor que não és ninguém/Porque ninguém de ti cura,/A frescura que a tua alma tem/Tenho-a também, mas sem frescura./Mas ao menos guardo/A fidelidade à inocência,/No que não faço ou no que tardo./Que o Diabo leve, porque é dele a ciência”.

Segundo Zenith, Pessoa ficou desiludido consigo próprio “por se ter deixado levar, mas, apesar de se considerar o principal culpado, forjou uma vingança contra Vasco Reis” e escreveu uma crítica a “A Romaria”, na qual considerava esta poesia herética, inestética e infantil.

Este episódio ficou marcado em Pessoa, de acordo com Zenith, tanto que em 1935, numa “espécie de currículo” que escreveu, “achou que deveria mencionar o prémio”: a “Mensagem” foi premiada “em condições especiais e para mim muito honrosas”.

“Pessoa foi uma personalidade sempre esquiva. Temos que estar agradecidos ao prémio Antero Quental, a António Ferro e Ferreira Gomes [pelos seus contributos no processo] e à fraqueza humana de Pessoa, porque senão não teria acabado a ‘Mensagem’ e não estaríamos agora a celebrar esse poeta tão genial”, concluiu Richard Zenith.

O também especialista em Fernando Pessoa Jorge Uribe, que dividiu com Richard Zenith a sessão de encerramento, falou especificamente sobre “‘Erostratus’ e o futuro da celebridade”.

Jorge Uribe, que falou por videoconferência a partir da Colômbia, começou por apontar uma série de poemas, cartas e textos escritos por Fernando Pessoa que encerram uma “reflexão à volta da imortalidade que acompanhou a vida do poeta e que provavelmente acompanhou a morte”.

Na opinião do pessoano, esta reflexão atingiu o seu grau mais elevado entre 1929 e 1932 no texto “Erostratus”, que surgiu como um tentativa de resposta à pergunta formulada pelo próprio Pessoa em 1910: o que é a imortalidade na arte, na poesia, ou em qualquer coisa?”.

“O que é a imortalidade é afinal o solilóquio de Fernando Pessoa consigo mesmo”, acrescentou.

“Pessoa: A Biography”, de Richard Zenith, recentemente publicada no mercado livreiro anglo-americano, deverá chegar às livrarias portuguesas no primeiro semestre de 2022.

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