“Atualíssima”, como a classifica João Mota, diretor d´A Comuna e do espetáculo, a peça remete insistentemente para os políticos, definindo-os como alguém que vive “de preconceitos, da imagem e de viverem de histórias inventadas que não [se sabe] se são verdade”, como se repete em várias falas da peça.

Uma peça “antiburguesa, no bom sentido da palavra” e que se centra na “mediocridade dos políticos”, acrescentou João Mota, no final de um ensaio para a imprensa.

Sobre a escolha da peça escrita em 1911 por Georges Feydeau, dramaturgo francês que ficou famoso como autor do teatro de ´vaudeville`, João Mota argumentou com o facto de se tratar de um texto que, “sempre a brincar, fala de coisas muito importantes”.

Monsieur Ventroux, um deputado ambicioso, a sua mulher Clarisse, que tem tendência para se exibir e andar em camisa de dormir pela casa, o mordomo Victor, o político Hochepaix, rival de Ventroux, e um repórter do Le Figaro são as personagens da peça cuja ação se passa toda na casa do deputado Ventroux, que espera ser reeleito.

Para João Mota, que se despediu da carreira de ator no mês passado, protagonizando Bernarda Alba na peça de Federico García Lorca, este texto de Feydeau tem uma mais-valia.

Se, à partida, a personagem Clarisse parece ser uma mulher tonta, “de tonta não tem nada”, já que é ela que denuncia o marido, faz-se ao político rival à frente do marido quando este é visitado por aquele e por mais que Monsieur Ventroux insistia para que se vista, Clarisse acaba por andar sempre em camisa de noite pela casa.

Para João Mota, este texto de Feydeau “antecede o surrealismo, o absurdo e o ‘nonsense’ muito antes de aparecer Ionesco, Beckett e todos os outros”.

A personagem Clarisse, quase retirada de uma comédia do absurdo, é quem contesta os políticos, o sistema social burguês em que vivem e as convenções que este lhes impõe.

E é Clarisse que nunca se veste – chega mesmo a dizer que se recebesse a família real inglesa punha “apenas um roupão por cima” - e que tem uma posição crítica e política sobre a sociedade aburguesada “de maneira errada” em que vivem.

Nos dias de hoje, “em que quase não existe aristocracia nem operariado”, a sociedade é quase toda composta por burgueses e milionários, mesmo que a classe mais baixa tenha cada vez menos poder de compra, referiu João Mota.

Outro dos focos desta peça, que para João Mota se mantém atual, reside no facto de retratar a “mediocridade dos políticos”.

“Porque se ganha muito mal como político”, pelo que é “mais fácil ir para uma empresa do que arriscar a vida pessoal e a da família na política”, referiu.

“Hoje não temos homens que sirvam de exemplo”, como o foram Gandhi ou Nelson Mandela, acrescentou.

Além do texto de Feydeau, João Mota introduziu pequenas partes da sua autoria na peça, como um monólogo do criado Victor com que a peça começa.

“Não andes nua pela casa” passa-se no mesmo cenário onde foi representada “A casa da Bernarda Alba”: um espaço em círculo, que remete quase para um circo, segundo João Mota, onde pontuam apenas uma mesa e duas cadeiras, uma cama, um sofá e uma grande carpete sem nada em cima.

Uma porta, a entrada principal, e uma janela, onde Clarisse passa o tempo a mostrar-se à transparência da luz, completam o cenário do espetáculo que remete para a vida real, segundo João Mota.

“Porque, no fundo, se a gente for ver bem, a vida é uma comédia. A gente diz que é uma tragédia, mas se estivermos com atenção todos os dias percebemos que é uma comédia”, justificou João Mota.

No ano em que assinalam os 50 anos, o Teatro da Comuna espera repor “A Casa da Bernarda Alba”, que esgotou todas as sessões em Lisboa, assim como a récita no Teatro Sá de Miranda, em Viana do Castelo, disse João Mota.

A reposição desta peça depende, contudo, da disponibilidade de João Grosso, que integra o elenco, já que é ator do Teatro Nacional D. Maria II.

Para assinalar os 50 anos d´A Comuna, que se assinalaram em 01 de maio último e decorrerão até 1 de maio de 2023, em janeiro o grupo começará a ensaiar “Woyzeck”, do dramaturgo alemão George Büchner, e depois fará um café-teatro inédito da autoria de António Torrado.

Uma forma de “homenagear” António Torrado, já que o escritor que morreu em junho de 2021 foi durante anos dramaturgo residente no Teatro da Comuna e “já devia ter sido homenageado há mais tempo”, concluiu João Mota.

"Não andes nua pela casa" tem interpretações de Hugo Franco, Luís Garcia, Maria Ana Filipe, Miguel Sermão e Rogério Vale e vai estar em cena até 18 de dezembro, com sessões à quarta e quinta-feira, às 19h00, à sexta-feira e sábado, às 21h00, e, ao sábado, às 16h00.

Tudo o que se passa à frente e atrás das câmaras!

Receba o melhor do SAPO Mag, semanalmente, no seu email.

Os temas quentes do cinema, da TV e da música!

Ative as notificações do SAPO Mag.

O que está a dar na TV, no cinema e na música!

Siga o SAPO nas redes sociais. Use a #SAPOmag nas suas publicações.