O hispano-peruano Mario Vargas Llosa, prémio Nobel de Literatura em 2010, que na quinta-feira se tornará o primeiro escritor a entrar na Academia Francesa sem nunca ter escrito nada em francês, é o último representante da geração dourada da literatura latino-americana.

Escritor universal a partir da complexa realidade peruana, Vargas Llosa fez parte do chamado "boom" latino-americano junto com outros grandes como o colombiano Gabriel García Márquez (1927-2014), o argentino Julio Cortázar (1914-1984) e os mexicanos Carlos Fuentes (1928-2012) e Juan Rulfo (1917-2986).

Admirado pela sua descrição das realidades sociais em obras-primas da literatura como "A Cidade e os Cães", ou "A Festa do Chibo", no plano político os seus posicionamentos liberais provocaram hostilidade num meio intelectual que geralmente tende à esquerda.

"Nós, latino-americanos, somos sonhadores por natureza e temos problemas para diferenciar o mundo real e a ficção. É por isso que temos ótimos músicos, poetas, pintores e escritores, e também governantes tão horríveis e medíocres", disse pouco antes de receber o Nobel em 2010.

Nascido na cidade de Arequipa, no sul do Peru, a 28 de março de 1936, numa família de classe média, Vargas Llosa foi educado pela sua mãe e avós maternos em Cochabamba (Bolívia) e depois no Peru.

Após os seus estudos na Academia Militar de Lima, obteve uma licenciatura em Letras e, ainda muito jovem, deu os seus primeiros passos no jornalismo.

Instalou-se em 1959 em Paris, onde se casou com a sua tia Julia Urquidi, 10 anos mais velha, e exerceu várias profissões: tradutor, professor de castelhano e jornalista da Agência France-Presse.

Anos mais tarde, separou-se de Urquidi e casou-se com a sua prima-irmã e sobrinha da ex-esposa, Patricia Llosa, com quem teve três filhos e 50 anos de relação.

Vargas Llosa divorciou-se de Patricia após iniciar em 2015, com quase 80 anos, um romance com uma figura conhecida do mundo do "jet set" madrileno, Isabel Preysler, ex-mulher do cantor Julio Iglesias.

Prolífica carreira literária

A sua longa carreira literária descolou em 1959, quando publicou o seu primeiro livro de relatos, "Os Chefes", com o qual obteve o Prémio Leopoldo Alas. A seguir, ganhou notoriedade com a publicação de "A Cidade e os Cães", em 1963, seguida três anos depois por "A Casa Verde". O seu prestígio consolidou-se com "Conversa n'A Catedral" (1969).

Naquela época, o autor peruano já afirmava que queria continuar a escrever até ao último dia da sua vida e cumpriu a sua palavra com a publicação de obras como "O Herói Discreto", ou "Tempos Duros", sobre a agitada história recente da Guatemala, que lhe rendeu o Prémio Francisco Umbral de Romance.

Com as suas obras traduzidas para 30 idiomas, Vargas Llosa foi prestigiado com os prémios Cervantes, Príncipe de Astúrias das Letras, Biblioteca Breve, o da Crítica Espanhola, o Prémio Nacional de Romance do Peru e o Rómulo Gallegos.

Obteve a nacionalidade espanhola em 1993.

Escritor premiado... polémico na política

Durante a juventude, Vargas Llosa sentiu-se seduzido por Fidel Castro, mas em 1971 rompeu com a Revolução Cubana por causa do caso do poeta Heberto Padilla (1932-2000), forçado pelo regime a fazer uma humilhante "autocrítica" pública.

Foi candidato à presidência do Peru em 1990. Era o favorito até aparecer o então desconhecido engenheiro agrónomo Alberto Fujimori, que foi eleito. Depois do seu fracasso eleitoral, voltou às letras, de onde – disse o escritor – nunca deveria ter saído.

Ainda assim, não se mantém alheio às vicissitudes da política mundial, atacando nos últimos anos o populismo, "a doença da democracia", que inclui o Chavismo e o Castrismo, a extrema direita e a esquerda radical europeia e o nacionalismo independente.

Teve uma estreita amizade com Gabriel García Márquez, que terminou abruptamente num incidente confuso que ambos preferiram não tocar.

"Deixe que os biógrafos tratem desse assunto", disse certa vez Vargas Llosa.