Em entrevista à agência Lusa, em Óbidos, onde esteve para participar no Folio, que terminou no domingo, o prémio Nobel da Literatura de 1986 disse que a única parte da discussão em torno do galardão que o leva à exaltação é o cruzamento de fronteiras quando as regras não são públicas à partida.

“Quando o prémio foi entregue a um músico, pensei nisso durante muito tempo. Eu uso muita música, consigo escrever música. Significa que devo ser nomeado para um [Grammy]? Gosto de igualdade, vamos ter aqui um equilíbrio. Se dizemos que não é mais possível distinguir entre literatura e letras de música tudo bem, estou disposto a aceitar isso, mas deixem que o mundo saiba e quero que o outro lado diga que Brecht pode receber, postumamente, um [Grammy]. Vamos nivelar o terreno”, afirmou Wole Soyinka, de 88 anos, cujo romance mais recente, “Crónicas do Lugar do Povo mais Feliz da Terra”, acaba de ser lançado em Portugal pela Livros do Brasil.

Questionado pela Lusa sobre a resposta que a Academia Sueca deu este ano, repetindo declarações de anos anteriores, em resposta à pergunta sobre o porquê da escolha de mais um nome europeu (no caso, a francesa Annie Ernaux), de se concentrar apenas na qualidade literária, Wole Soyinka desvalorizou a importância do prémio.

“Se eu crio um prémio para qualquer tipo de feito humano e reúno um júri para o decidir, significa que já tenho um certo conjunto de parâmetros. Todos esses parâmetros, posso revelá-los ou guardá-los para mim. Então, essa organização misteriosa chamada a Academia para os Nobel das várias disciplinas – e isto remonta ao tempo em que eu era um nomeador -, nunca nos iludimos em relação à nossa capacidade de a influenciar de uma forma ou de outra”, afirmou o escritor nigeriano, que em 1986 se tornou no primeiro africano a receber o Prémio Nobel da Literatura.

Para Soyinka, que não mencionou nenhum outro premiado por nome, “os prémios são apenas símbolos de reconhecimento de certas funções da sociedade que não são facilmente comercializáveis”.

Desta forma, o autor de “Os Intérpretes” salientou que a melhor forma de “desafiar parâmetros estruturados de reconhecimento” é criar outros em alternativa.

“Há pessoas suficientes no continente africano ou no asiático para criar um prémio que detenha o mesmo prestígio. Não considero [o Nobel] como o julgamento final sobre a qualidade da literatura”, acrescentou, realçando que os jurados estão a ler escrita traduzida, o que os impede de alcançar a plenitude de um livro, menos ainda de uma obra como um todo.

“Porquê importar-se?”, perguntou o escritor, antes de lembrar o momento em que o norte-americano Bob Dylan venceu aquele que é visto como o mais importante prémio literário do mundo.