Nos inícios de 1963, a toda-poderosa BBC debatia-se com um problema até então completamente inédito: as suas audiências tinham vindo a baixar drasticamente desde o aparecimento alguns anos antes de um canal concorrente, a arrivista ITV. A estratégia para lidar com o problema foi similar à de todos os colossos que se sentem incomodados com a competição: neste caso contrataram Sidney Newman, o inventivo e pouco ortodoxo diretor de programação da concorrência, para que ele trouxesse algum dinamismo à BBC, um canal que nos inícios dos anos 1960 era bastante cinzento, e não falamos só do facto de as emissões serem a preto e branco.

Newman decidiu fazer frente à concorrência criando um programa de entretenimento que podia ser visto por toda a família e que se queria ao mesmo tempo didático, divertido, excitante, misterioso e principalmente que cativasse às audiências. Depois de quase um ano de preparação, Newman e a sua equipa apresentam o projeto de uma série de ficção-científica cujo protagonista era um enigmático ancião capaz de viajar no tempo e no espaço a bordo de uma singular nave espaço-temporal chamada T.A.R.D.I.S. (Time and Relative Dimensions in Space).
O protagonista da série seria conhecido apenas como The Doctor e, ao lado de vários acompanhantes, iria viver incríveis aventuras nas mais variadas épocas da história do planeta e defrontar terríveis ameaças extraterrestres.

Tinha nascido "Doctor Who", a mais bem-sucedida série televisiva de ficção-científica de sempre e também aquela que está em produção há mais tempo. O fenómeno do sucesso de "Doctor Who," que na última década se espalhou pelos quatro cantos do globo, não é algo fácil de explicar se não tivermos em conta que na sua essência é algo de profundamente britânico, refletindo os princípios da velha potência imperial e todo o seu legado cultural.

O primeiro episódio da série foi para o ar com cerca de minuto e meio de atraso, a 22 de novembro de 1963, devido ao noticiário se ter alongado um pouco com a cobertura do assassinato em Dallas do presidente Kennedy. A série foi praticamente desde o início um fenómeno de audiências pois a Grã-bretanha nunca tinha visto algo como o enigmático Doctor, que, ao lado dos seus acompanhantes, viaja a seu belo prazer pelos momentos mais famosos da história.

Um dos elementos fulcrais para o sucesso da série prende-se com a sua abordagem visual e sonora. Apesar de ter um orçamento bastante reduzido quando comparado com outras produções, a jovem produtora Verity Lambert, a primeira mulher produtora no boys club da BBC, conseguiu verdadeiros milagres de criatividade e imaginação a nível dos cenários, principalmente o set da TARDIS, que por fora é uma cabina da polícia azul, mas que por dentro é enorme e pejada de geringonças. Outro aspeto crucial foi a música de Ron Grainer, que depois do tratamento sonoro que Delia Derbyshire lhe deu viria a tornar-se uma referência incontornável não só no mundo da TV como a inspirar toda a seguinte geração de música eletrónica.

E falar de Doctor Who é falar dos seus imensos adversários, dos quais os mais populares e recorrentes são os Daleks – uma espécie extraterrestre que definhou e que sobrevive dentro de carapaças metálicas com a forma de um pimenteiro com um terrível desintegrador que parece um desentupidor de canos. Os Daleks são imparáveis e têm apenas um objetivo: exterminar todas as formas de vida e especialmente o seu arqui-inimigo, o Doctor.

Um dos aspetos muito inteligentes na criação da série foi a inclusão da regeneração do Doctor, que apesar de ser centenário, de vez em quando muda de aspeto e personalidade, o que foi decisivo para a sucessão de vários atores no papel do aventureiro galático. Até há relativamente pouco tempo pensava-se que teria havido 11 encarnações do protetor da Terra. Mas Stephen Moffat, o atual responsável pela série, e também pelo igualmente popular "Sherlock", revelou-nos no episódio do cinquentenário, "The Night of the Doctor", que na verdade havia uma encarnação esquecida, o War Doctor, interpretado pelo incomparável John Hurt.

Moffat propôs-se fazer algo completamente inédito para o aniversário: mudar o paradigama da série e da personagem, mantendo-se fiel a todos os princípios iniciados há meio século. O resultado é algo de completamente surpreendente, excitante e original, abrindo um mundo de possibilidades infinitas para a 13ª encarnação de Doctor Who, que fez a sua aparição no episódio do último natal na pele do imprevisível Peter Capaldi, que conhecemos da mordaz comédia política "The Thick of It".

Meio século é muito tempo para uma série de TV, mas o segredo da sua longevidade tem sido a capacidade dos seus responsáveis se adaptarem às variadas mutações sócio-culturais das últimas décadas, fazendo de "Doctor Who" mais do que uma mera personagem de TV, elevando-a ao estatuto de ícone da cultura popular anglo-saxónica - e agora de todo o mundo.

@Rui Brazuna