"Porque é que achamos que conhecemos os Beatles?", questiona Peter Jackson. "Bom, já vimos [os filmes] 'A Hard Day's Night' ['Os Quatro Cabeleiras do Após-Calypso', em português] e 'Help!'. Já os vimos atuar. Já vimos entrevistas, conferências de imprensa. E estou a falar só do que vimos nos anos 1960. Mas se pensarmos nisso, essas são todas situações performativas", conta o realizador neozelandês convidado a assinar a série documental "The Beatles: Get Back".
Dividido em três partes (num total de 468 minutos, quase 8 horas), o retrato que chega a partir desta quinta-feira à plataforma de streaming Disney+ parte de cerca de 150 horas de filmagens nunca antes reveladas feitas por Michael Lindsay-Hogg em janeiro de 1969, em estúdio, durante o processo de criação e gravação do 12.º álbum do quarteto de Liverpool, "Let It Be". A série documental também mostra pela primeira vez na íntegra o espetáculo de 40 minutos dado pelos Beatles no terraço do edifício da sua editora em Savile Row, em Londres, naquela que foi a última apresentação do grupo em público.
Uma das grandes novidades da temporada para melómanos e fãs da banda de John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr, "The Beatles: Get Back" promete focar-se em quatro homens no seu ambiente natural e sem os filtros em que foram captados na maioria dos registos mais conhecidos, sublinha o realizador da trilogia "O Senhor dos Anéis" e de filmes de culto como "Amizade Sem Limites" ou "Bad Taste - Carne Humana Precisa-se".
"Se estás numa conferência de imprensa, tentas ser natural e tu próprio. Mas sabes que tens público. (...) Quando eles não sabem que estão a ser filmados, são 100% puros", compara. "É óbvio que eles queriam ser filmados, porque isso lhes permitia pagar as contas. Mas ao mesmo tempo, às vezes não queriam. Mas nunca lhe disseram isso [ao realizador Michael Lindsay-Hogg]", explica.
Com a benção de Paul McCartney
"Só houve uma ocasião, em todas estas horas de material, em que o Paul McCartney se vira e diz 'Acho que devíamos parar de filmar agora'. Mas embora a câmara seja desligada, o áudio continua a ser gravado. E por isso ainda temos a conversa que se seguiu", recorda Peter Jackson. Ainda assim, "The Beatles: Get Back" dificilmente será acusado de ser um documentário invasivo. E quem o diz é o próprio McCartney, conta o realizador. "Foi uma das melhores reações que tive. 'Este é um dos retratos mais fiéis de como éramos naquela altura', disse-me ele".
O neozelandês confessa que ficou "muito feliz por ouvir isso", já que tentou "muito cuidadosamente não distorcer nada", frisa. "Tentei retratá-los da forma como os vi", acrescenta.
"Estou grato por este projeto me ter dado a oportunidade de pensar neles como seres humanos", revela, descrevendo-os como homens "normais e decentes". "Saí daqui a respeitá-los mais. (...) São muito diferentes, mas quaisquer quatro pessoas são diferentes", aponta.
"Tendemos a pensar nos Beatles como uma unidade. (...) Um é o perspicaz, outro o charmoso, outro o sossegado... Foram tendo os seus rótulos. Mas formavam uma unidade. Mas aqui vemos que não são, são só quatro tipos", reforça. "Têm as suas próprias opiniões, lidam com as coisas de formas diferentes".
De Liverpool à Nova Zelândia
Peter Jackson diz ter ficado surpreendido com o convite para trabalhar as filmagens de Michael Lindsay-Hogg, "embora não tenha uma história brilhante para contar" sobre a sua experiência de fã dos Beatles. "Nasci em 1961, por isso estava vivo na altura em que eles editaram os álbuns", recorda. "Mas não me lembro dos Beatles nos anos 1960. Os meus pais nunca compraram um único álbum dos Beatles. Tínhamos uns 30 discos quando cresci, e nenhum era deles".
Mas a música da banda acabaria por chegar lá a casa e abrir caminho para a descoberta de uma discografia marcante. "Comprei as compilações dos Beatles 'Red' e 'Blue' por volta de 1972 ou 1973, com algum dinheiro que tinha poupado. Foi a primeira vez que comprei um LP. E logo dois álbuns duplos... A partir daí tornei-me fã", lembra.
Cinco décadas depois, "The Beatles: Get Back" vinca outro momento-chave na sua história pessoal com os "fab four", e outro tipo de revelação. "Há aqui tantas histórias. Além da criação do disco, mostra o processo criativo de cada um deles, John e Yoko, a pequena jornada do Paul, o início do processo de transformação do George...". Um retrato a partir de material "divertido e incrível", salienta. "Pensámos em dar às pessoas esta pequena e agradável surpresa antes do Natal, naquele que foi um ano muito difícil". E para muitos fãs do quarteto de Liverpool, o Natal terá certamente chegado mais cedo este ano...
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