“Ela tornou-se uma vilã e uma piada nacional, com a voz e a gola alta”, disse a criadora Elizabeth Meriwether, numa mesa-redonda sobre a série. “Esta história ainda não tinha sido contada a um nível humano”.

Elizabeth Holmes fundou a empresa de biotecnologia Theranos em 2003 e levantou mais de 700 milhões de dólares de financiamento com base numa inovação que não tinha realmente conseguido criar: uma pequena máquina capaz de detetar dezenas de doenças a partir de algumas gotas de sangue.

A empreendedora chegou a ser um dos nomes mais sonantes e promissores de Silicon Valley e em 2014 a Theranos atingiu o estatuto de unicórnio, denominação dada a empresas privadas que valem mais de mil milhões de dólares.

“Acredito que a Elizabeth acreditava profundamente no seu empreendimento”, disse a atriz Amanda Seyfried, que interpreta a antiga empresária. “Mas isso não é suficiente. É preciso ter um produto que suporte a crença”.

Para retratar uma figura tão mediática como Holmes, Seyfried estudou as centenas de horas de vídeos dela que estão disponíveis e disse que trabalhar nas suas afetações e camadas estéticas a ajudou a entrar no papel.

“É interessante, porque muitas das formas como ela era, os seus maneirismos, alguns eram naturais e outros foi ela que desenvolveu”, explicou a atriz. “Coisas que não eram naturais para ela também não eram naturais para mim, por isso houve menos responsabilidade de acertar totalmente e ser consistente, porque ela não era consistente”.

Uma das características mais notórias de Holmes é o tom de voz profundamente grave que adotou ao longo dos anos, algo que se nota também na interpretação de Seyfried.

“A gravidade e a cadência foram aprendidas”, afirmou a atriz, dizendo que a forma de falar de Holmes a faz lembrar o ex-presidente norte-americano Barack Obama. “Ela absorveu de todas estas pessoas e é absolutamente uma das principais razões pelas quais era tão cativante”.

A minissérie vai aos inícios da vida adulta de Holmes e termina quando a Theranos implode – mas antes do julgamento da ex-CEO e do seu amante e ex-número dois, Sunny Balwani, aqui interpretado por Naveen Andrews.

“No início, penso que as intenções deles eram boas. A ideia em si era boa”, considerou o ator, noutra mesa-redonda. “O interessante é o que acontece quando as pessoas entram em território desconhecido. A aquisição de riqueza e poder, o que isso faz a um ser humano”.

A química entre Amanda Seyfried e Naveen Andrews é muito intensa no ecrã e os atores perceberam que estavam a ir na direção certa quando centenas de mensagens entre Holmes e Balwani foram reveladas no decorrer do julgamento.

“Ele estava totalmente apaixonado por ela”, disse Andrews. “Até onde irá alguém por amor?”, questionou, dizendo que há aspetos nesta história que são dignas de uma peça de Shakespeare.

No entanto, Andrews absteve-se de fazer julgamentos de caráter ou valor. “É muito fácil tornar estas pessoas em caricaturas, mas são seres humanos, com toda a sua complexidade”, frisou.

Amanda Seyfried também referiu que parte do seu trabalho foi deixar julgamentos de lado e tentar identificar-se com Elizabeth Holmes, apesar de salientar que a sua responsabilidade não era para com ela, era para com a história.

“‘The Dropout’ tinha de ser feita porque ainda não sabemos nada sobre ela. Queria talvez imaginar porque é que ela tomou as decisões que tomou”, explicou a atriz. “É isso que fazemos em Hollywood, como artistas: criamos realidades imaginadas”.

A showrunner Elizabeth Meriwether chamou a atenção para o que esta história revela a um nível mais abrangente.

“Espero que a série levante muitas questões sobre o processo das ‘startups’ e a cultura do capital de risco em Silicon Valley, e a ideia do CEO de uma tecnológica como alguém que está acima da supervisão”, afirmou. “Há uma mitificação do CEO de tecnologia que quero questionar”.

Naveen Andrews considerou que essa é a pergunta certa. “Para mim, levanta a questão legítima de saber se estes empreendedores devem ter tanto poder, riqueza e influência sobre como vivemos as nossas vidas, e não serem responsabilizados”, sublinhou.

Há também, disse Seyfried, uma cultura de “fingir até conseguir” em Silicon Valley que pode levar a excessos em áreas em que eles não podem existir, como é o caso da saúde.

“A ciência não tem nuances. Ou temos a ciência ou não temos”, afirmou. “Ela estava a fazer o que toda a gente faz, exceto que estava no mundo da saúde, onde há regras diferentes”, continuou. “Houve muita fraude e isso nunca será bom, por mais difícil que seja dizer aos investidores que gastaram milhões que não temos nada. É melhor que a alternativa”.

Elizabeth Holmes está a aguardar a sentença depois de ter sido condenada por um júri em janeiro, arriscando até vinte anos de prisão.

Com oito episódios, “The Dropout” é uma minissérie Hulu que em Portugal estará disponível no Disney+.