Seis anos depois, uma série documental de televisão está a reviver o ocorrido, levando os espectadores a presenciar a agonia de perder um filho, uma aposta que os pais de Trayvon e os realizadores esperam que inspire uma mudança.
Financiada parcialmente pelo rapper Jay-Z, a série "Rest in Power: The Trayvon Martin Story" estreou na passada segunda-feira nas redes Paramount Network e BET, nos EUA, e será transmitida em seis episódios semanais.
A série retrata a perda humana, seguindo de perto a mãe de Trayvon, Sybrina Fulton, que tem de escolher entre a dor e a luta pela justiça. Também acompanha o seu pai, Tracy Martin, recordando um Trayvon de nove anos que o salvou de uma cozinha em chamas, mas desconsolado por não ter sido capaz de proteger o seu filho de 17 anos num condomínio fechado da Florida.
"Quero que as pessoas tomem o que aconteceu com Trayvon como exemplo", disse Fulton numa sessão no Harlem. "Não esperem até que aconteça algo com os vossos filhos ou alguém querido para dizer: 'Está bem, tenho de fazer alguma coisa'".
A série interliga o atual problema de racismo dos Estados Unidos com o debate sobre o controle de armas e com a pressão de alguns setores para que as armas sejam mais fáceis de comprar e disparar.
Desconsolo
A produção recorda a procura de justiça da família e o processo que levou o atirador George Zimmerman a tornar-se herói da extrema direita. A narrativa traça uma linha desde a morte de Trayvon até ao surgimento do movimento Black Lives Matter e do chamado "chicote branco", que influenciou a eleição do presidente Donald Trump.
"Abrimos a caixa de Pandora e não tinha ideia do que ia acontecer", diz Tracy no final do primeiro episódio, depois de um vídeo de Trump a apresentar o seu lema de campanha, "Tornar a América grande outra vez".
As primeiras críticas foram positivas. O jornal The Guardian referiu-se à estreia como um "triunfo", que examina a injustiça racial "com habilidade e aplica um golpe poderoso".
"Não há forma de evitar o desconsolo e a dor aqui, e esse é provavelmente o objetivo", escreveu o Los Angeles Times.
Trayvon morreu em Sanford, uma cidade com antecedentes racistas na qual Zimmerman chamava com frequência a polícia pela presença de negros e onde o Ku Klux Klan fez com que o herói negro do basebol Jackie Robinson fosse expulso de campo em 1946.
"Isto é tão antigo como o país, e o tipo de ódio e violência e assassinato que acontece em Sanford é emblemático da história dos Estados Unidos", disse o corealizador Jenner Furst ao público da sessão no Harlem.
As imagens de vídeo mostram Zimmerman a dizer à polícia que Trayvon ameaçou matá-lo a menos que o deixassem ir para casa, assim como a transmissão de uma chamada ao 911 na que os pais de Trayvon ouviram o seu filho a gritar "socorro".
O argumento de Zimmerman de que agiu em legítima defesa fez com que ele não fosse preso, obrigando a família de Trayvon a recorrer a advogados de direitos civis, que colocaram o caso no centro do debate nacional.
Anestesiado
A polémica lei de legítima defesa da Florida "Stand your ground" (Defenda a sua posição), aprovada pelo governador republicano Jeb Bush em 2005, permite que as pessoas no estado usem a força letal para se defenderem se sentirem que as suas vidas estão a ser ameaçadas.
Zimmerman foi finalmente absolvido de assassinato em segundo grau por um júri.
A força da série está nos depoimentos da família, nas próprias palavras de Zimmerman e nas entrevistas com a equipa de advogados de direitos civis que assumiu o caso.
Desde a morte de Trayvon, vários homens negros desarmados morreram pelas mãos de agentes de polícia, o que provocou protestos em todo o país e um exame de consciência sobre o racismo institucional e a brutalidade policial.
No início deste mês, Markeis McGlockton foi morto a tiro em Clearwater, Florida, depois de uma discussão sobre uma vaga de estacionamento para deficientes. O atirador não foi acusado, amparado pela lei de legítima defesa.
A série tem por trás a mesma equipa de "Time: The Kalief Browder Story", uma minissérie sobre um adolescente negro que passou três anos na prisão à espera de julgamento por alegadamente roubar uma mochila. Em 2015, suicidou-se.
"Estas injustiças ocorrem todos os dias", disse o produtor executivo Chachi Senior. "O norte-americano foi-se anestesiando face a tudo isto".
"A esperança é que os Estados Unidos vejam isto, olhem para si mesmos, reflitam, e esperamos que mudem para melhor em alguma medida".
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