Lalo Schifrin, o aclamado compositor argentino que criou o tema da saga "Missão Impossível", morreu nos EUA aos 93 anos, informou a imprensa local na quinta-feira.

Nascido em 21 de junho de 1932 em Buenos Aires, Schifrin, que trabalhou nas bandas sonoras de mais de 100 filmes e programas de televisão, faleceu na sua casa na Califórnia, de acordo com a publicação especializada Deadline.

O músico conquistou quatro prémios Grammy nas suas várias décadas de carreira, na qual somou créditos em produções como "Bullitt" (1968), protagonizada por Steve McQueen, "O Dragão Ataca" (1973), com Bruce Lee, e a série de televisão "Starsky & Hutch".

No total, foi nomeado 19 vezes aos cobiçados prémios da música, incluindo três vezes consecutivas na década de 1960 pelo inconfundível tema da série de televisão "Missão Impossível".

Variações da composição feitas por outros músicos aparecem na saga de filmes protagonizada por Tom Cruise.

"Cada filme tem a sua própria personalidade. Não há regras para escrever música para filmes", disse Schifrin à agência de notícias Associated Press em 2018, defendendo que é “o filme dita qual será a música”.

Escreveu também o espetáculo musical da grande final do Campeonato do Mundo de Futebol em Itália, em 1990, em que os Três Tenores - Plácido Domingo, Luciano Pavarotti e José Carreras - cantaram juntos pela primeira vez, com a obra a tornar-se um dos maiores sucessos de vendas da história da música clássica.

Schifrin escreveu originalmente uma música diferente para o tema de “Missão: Impossível”, mas o criador da série, Bruce Geller, gostou de outro arranjo que Schifrin tinha composto para uma sequência de ação.

“O produtor ligou-me e disse-me: ‘Vais ter de escrever algo excitante, quase como um logótipo, algo que será uma assinatura, e vai começar com um rastilho’”, disse Schifrin à AP em 2006.

"Então eu fiz isso e não havia nada no ecrã. E talvez o facto de eu ser tão livre e não ter imagens para captar, talvez seja por isso que esta coisa se tornou tão bem sucedida - porque escrevi algo que veio de dentro de mim", acrescentou o falecido compositor há data.

Quando o realizador Brian De Palma foi convidado a levar a série para o grande ecrã, quis levar o tema consigo, o que levou a um conflito criativo com o compositor John Williams, que queria trabalhar com um novo tema seu. Saiu Williams e entrou Danny Elfman, que concordou em manter a música de Schifrin.

O também pianista e maestro foi nomeado seis vezes aos Óscares pelas suas contribuições nos filmes "O Presidiário" (1967), "A Raposa" (1967), "A Viagem dos Malditos" (1976), "Amityville - A Mansão do Diabo" (1979), "A Golpada - Parte II" (1983) e a canção "People Alone" de "Um Amor em Competição" (1980).

Schifrin, que também compôs a banda sonora de "Dirty Harry" (1971), protagonizado por Clint Eastwood, recebeu das mãos desse veterano ator um Óscar honorário em 2018 pela sua carreira.

O alquimista das bandas sonoras

Clint Eastwood com Lalo Schifrin na cerimónia dos Óscares honorários a 18 de novembro de 2018

O argentino, naturalizado norte-americano em 1969, foi o discreto compositor de mais de uma centena de bandas sonoras diversificadas numa época em que estas eram consideradas obras por si mesmas.

Deixou uma marca indelével no cinema de ação americano das décadas de 1960 e 1970 e entre suas preciosidades estão a banda sonora minimalista para a famosa perseguição de Mustang de Steve McQueen em "Bullitt", o sincretismo de "O Dragão Ataca", o funk vanguardista de "Dirty Harry" e a mistura de jazz, folk e música sinfônica em "O Presidiário", protagonizado por Paul Newman.

"A missão de um compositor é encontrar o som de um filme e construir uma banda sonora baseada na sua ressonância", explicou à revista Les Inrocks em 2001. Segundo ele, compor para um filme é semelhante ao contraponto, em que a música adiciona uma nuance que o cineasta não filmou.

Nascido Boris Claudio Schifrin, numa família de emigrantes judeus da Rússia, foi incentivado pelo seu pai, concertino [primeiro-violino] da Orquestra Sinfónica de Buenos Aires, e aprendeu a tocar piano ainda muito jovem.

Grande conhecedor de música clássica, desenvolveu uma paixão pelo jazz com Thelonious Monk e Charlie Parker. Descobriu então o cinema americano com George Gershwin, cuja "Rhapsody in Blue" ouviu aos 14 anos.

Em 1953, ganhou uma bolsa de estudos para o Conservatório Nacional de Música de Paris. Com Olivier Messiaen, aperfeiçoou o seu conhecimento da música sinfónica do século XX e a sua apreciação pelas ligações entre sons e imagens.

Pianista de bebop no Club Saint Saint-Germain à noite, frequentava a Cinemateca Francesa, onde mantinha um excelente domínio do francês, com um forte sotaque argentino.

Música com "personalidade forte"

créditos: promo

De volta à Argentina, foi descoberto pelo trompetista Dizzy Gillespie, para quem escreveu os arranjos de "Gillespiana", que foi disco de ouro.

O realizador René Clément chamou-o então para "A Jaula do Amor" (1964), protagonizado por Alain Delon e Jane Fonda. Alternando entre tragédia e burlesco, harmonia e dissonância, a sua música, uma joia sonora, mesclava jazz, música sinfónica e surf rock.

Em Hollywood, onde já estava estabelecido, conheceu o produtor de televisão Bruce Geller, que o contratou para compor aquela que se tornaria a sua banda sonora mais famosa, "Missão Impossível" (1966).

O seu padrão repetitivo e sincopado, evocando com tanta eloquência a urgência e o suspense dos filmes de espionagem, é imediatamente reconhecível.

Graças à televisão, Schifrin entrou nas casas dos espectadores e as suas bandas sonoras com "swing" metálico ficaram gravadas na memória de toda uma geração de jovens que cresceram com os seus sucessos.

Visionário, partes dos seus trabalhos foram reutilizados por artistas de hip-hop e electro como os Portishead. Swing, pop, funk, bossanova e dodecafonismo — todos estes ritmos integrados nas suas bandas sonoras conferiram à sua música uma modernidade intocável, como evidenciado por "The Sound of Lalo Schifrin", uma antologia da sua obra lançada em 2016.

"Não sei se merecia a carreira que tive", disse o músico aos 84 anos à France-Presse. "A minha vida nada mais é do que uma sucessão de encontros feitos no lugar certo, no momento certo."