A nova versão de "Os Caça-Fantasmas" (1984), agora com protagonistas exclusivamente femininas, estreia apenas a 14 de julho, mas há meses que provoca fortes reações na internet e voltou a colocar o foco no problema da discriminação em Hollywood.

O primeiro trailer de "Caça-Fantasmas" tornou-se o vídeo com votação mais negativa da história do YouTube, com 900.000 'não gosto', ao mesmo tempo que o realizador, Paul Feig, e o elenco recebiam ameaças de morte e comentários misóginos nas redes sociais.

"Este lixo foi feito apenas para agradar às feminazis", escreveu alguém no Twitter, num dos comentários representativos da chuva de insultos contra as pessoas que trabalharam no filme.

Paul Feig, que ganhou fama ao dirigir atrizes em sucessos como "A Melhor Despedida de Solteira" e "Spy", foi o responsável pela escolha de Melissa McCarthy, Kristen Wiig, Kate McKinnon e Leslie Jones como protagonistas da nova versão, que chega aos cinemas 32 anos depois do original, que era apenas com homens: Bill Murray, Dan Aykroyd, Harold Ramis e Ernie Hudson.

"Nos últimos dois anos, ouvi os piores insultos misóginos", contou o realizador numa conferência de produtores na sede da Sony Pictures, na Califórnia.

"Os ataques que recebemos têm sido muito assustadores", comentou.

O blog "Woman and Hollywood" registou uma reação semelhante depois dos produtores de "Star Wars: O Despertar da Força" anunciarem protagonistas femininas, após seis longas-metragens com homens nos papéis principais.

"Lutamos todos os dias para combater o preconceito. A imprensa ainda o chama de 'filme rosa'", comentou Feig, antes de lamentar o facto de que a produção nunca é citada sem a informação de que se trata de uma versão de "Caça-Fantasmas" "exclusivamente feminina".

"Nunca se referiram a 'Os Mercenários' como um filme apenas de homens. É uma luta difícil que não acredito que ainda temos que travar em 2016", completou.

"Um mundo masculino"

A reação contra "Caça-Fantasmas" demonstra como está implementada a ideia de que filmes de grande orçamento são um "mundo masculino", destaca Martha Lauzen, do Centro de Estudos das Mulheres na Televisão e Cinema, da Universidade de San Diego.

"Tradicionalmente apresentam homens como protagonistas, produzidos por homens, pensados para um público de homens jovens", explica.

"Além disso, a maioria dos críticos que avaliam estes filmes é composta por homens", completa.

"Fazer uma nova versão de um destes filmes com um elenco maioritariamente feminino viola o sentimento de que este espaço público pertence a eles".

Apenas 9% dos realizadores e 11% dos argumentistas que trabalham nos 250 filmes americanos que mais faturaram nas bilheteiras em 2015 eram mulheres, segundo um estudo de Lauzen.

O efeito colateral da realidade é o menor número de papéis femininos com certa profundidade ou interesse nos filmes.

De 11.306 papéis no cinema e televisão em 2014 analisados pela Faculdade Annenberg de Comunicação e Jornalismo da Universidade do Sul da Califórnia, dois terços eram personagens masculinos, número que se aproximava de 75% em filmes de grande sucesso comercial.

Mas estes números sugerem que a indústria cinematográfica está cavando a própria sepultora.

Com efeito, os filmes com protagonistas femininas arrecadaram 3,3% a mais que as produções com protagonistas masculinos em 2014, de acordo com Stacey Smith, que está à frente da Iniciativa de Mudança Social, Diversidade e Meios da faculdade.

Assumir o risco

A atriz australiana Margot Robbie, de 25 anos, está a ganhar reputação por escolher papéis que se afastam do cliché da mulher complacente ou tímida, como a enérgica Naomi Lapaglia em "O Lobo de Wall Street" (2013) de Martin Scorsese.

"Acredito que as pessoas finalmente estão a reconhecer que metade das vendas de bilhetes vem das mulheres", disse a atriz numa entrevista recente.

"E se não criam o tipo de papel com o qual as mulheres se podem identificar, elas não vão comprar tanto", completou.

O equivalente a "Caça-Fantasmas" no cinema independente é o filme "The Fits", estreia da realizadora Anna Rose Holmer aclamada nos festivais de Veneza e de Sundance.

A longa-metragem é resultado quase exclusivo do trabalho de mulheres, tanto por trás como à frente das câmaras, e conta a história de uma rapariga que treina boxe com o irmão, mas sonha em ser bailarina.

Holmer, que escreveu o argumento em parceria com Lisa Kjerulff e Saela Davis, acredita que a discriminação na indústria cinematográfica começou a sofrer uma queda.

Mas em última análise, afirma, a única maneira de mudar a situação é "contratar mulheres e investir nas mulheres, assumir o risco de ter mulheres no comando".

"É muito simples e é possível", resume.

Trailer "Caça-Fantasmas".