A obra da realizadora italiana Cecilia Mangini (1927-2021), "um dos nomes maiores do documentário", vai ser alvo de uma retrospetiva integral, em outubro, pelo festival DocLisboa e a Cinemateca Portuguesa, anunciaram hoje as duas entidades.
"Em outubro o Doclisboa presta homenagem ao cinema de Cecilia Mangini, um dos nomes maiores do documentário em Itália, e dedica uma retrospetiva à obra integral da cineasta, em colaboração com a Cinemateca Portuguesa", lê-se no comunicado do festival de cinema documental.
A retrospetiva tem por objetivo "dar a ver o trabalho de uma das mulheres pioneiras no documentário italiano (...), um trabalho fundamental e ainda pouco conhecido sobre um período histórico de grandes convulsões em Itália, com um olhar particularmente preocupado com os mais desfavorecidos", escreve por seu lado a Cinemateca Portuguesa.
Cecilia Mangini morreu no passado mês de janeiro, aos 93 anos, depois de uma carreira que a converteu "num referente" do documentário, e que se manteve ativa até ao ano passado, quando estreou o seu derradeiro filme, "Due scatole dimenticate" ("Duas caixas esquecidas", de 2020), no Festival de Cinema Europeu de Sevilha, que homenageou a realizadora.
Nascida em 1927, em Mola di Bari, no Sul da Itália, "filha de pai socialista, de origem humilde, e de mãe nobre, Mangini cedo se afastou do fascismo da educação oficial" da época, "optando pelos ideais de esquerda, assumindo-se mais tarde como anarquista", lê-se na apresentação da Cinemateca.
"Esses ideais marcaram o seu olhar, inicialmente no seu trabalho de fotografia de rua e posteriormente no cinema, onde assinou um conjunto de documentários que definia como libertários, com foco nas diferenças sociais existentes num sistema conservador profundamente religioso", prossegue o texto divulgado pela instituição.
Mangini iniciou-ne na fotografia, em 1952, e estreou-se no cinema em 1958, com "Ignoti alla Città" ("Ignorado pela cidade"), em colaboração com Pier Paolo Pasolini, autor do texto documentário de 12 minutos sobre os jovens da periferia de Roma e o seu mundo marginal, na altura proibido pela censura.
Com Pasolini, a realizadora trabalhou ainda nos filmes "Stendalì" (1960), centrado em mulheres do sul de Itália, que lamentam os mortos, uma obra que conta com música de Egisto Macchi, e "La Canta delle Marane" (1961), filmado na periferia de Roma, que viria a marcar as narrativas de Pasolini.
Estas três primeiras curtas-metragens da cineasta compõem o alinhamento da sessão de antecipação do ciclo, a realizar no próximo dia 06 de agosto, na Cinemateca Portuguesa, em Lisboa.
A retrospetiva, organizada com o apoio do Instituto Italiano de Cultura de Lisboa, incluirá todos os filmes dirigidos por Cecilia Mangini e também um conjunto de títulos assinados por seu marido, o cineasta Lino Del Fra (1927-1997), nos quais a realizadora "deixou a sua marca como argumentista ou colaboradora influente".
Cecilia Mangini construiu uma filmografia que abarca sete décadas. "Desde o início da sua carreira assumiu uma visão comprometida, atenta e íntima com o indivíduo e com a sociedade", escreve por seu lado o DocLisboa.
"Os seus filmes preservam uma atualidade importante pois exploram temas urgentes, como a condição da mulher, comunidades periféricas e marginalizadas, as raízes do fascismo, a imigração ou a injustiça social. A obra de Mangini é permeada pela poesia e pela beleza mas é, acima de tudo, a história de uma vida dedicada a pensar o cinema como uma ferramenta de resistência", sublinha o anúncio do festival.
A apresentação da obra de Mangini junta-se à retrospetiva completa dedicada à fotógrafa e realizadora Ulrike Ottinger, "figura ímpar do Novo Cinema Alemão", já anunciada pelo DocLisboa, que também irá passar pela Cinemateca.
Na antecipação de 06 de agosto, o Doclisboa e a Cinemateca exibirão igualmente a obra de estreia de Ulrike Ottinger, "Laokoon & Söhne", codirigida com Tabea Blumenschein.
A 19.ª edição do Doclisboa decorre de 21 a 31 de outubro, e projeta o regresso às salas de cinema da capital.
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