Antepenúltimo dia do IndieLisboa: mulheres armadas de guitarra e atitude ao ataque. No final dos anos 70, as Slits – em plena revolução (masculina) do "punk"; uma década depois foi a vez do (masculino) movimento "grunge" – onde as L7 caíram de para-quedas antes de atingirem o estrelato. "Here to Be Heard: The Story of the Slits", de William Badgley conta a primeira história; "L7 Pretend We’re Dead", de Sarah Price, a segunda.
Inglaterra em apuros
A baixista Tessa guarda com carinho uma série de recortes dos seus tempos de Slits. É com eles que o filme começa: é a história de muitos jovens que revolucionaram o mundo do rock no final dos anos 70. Saturados com a hipocrisia do mundo dos grandes dinossauros na música e, num âmbito expandido, da sociedade inglesa em geral, ergueram a bandeira do "faça você mesmo" e abriram um mundo de possibilidades mesmo para quem só sabia tocar um par de notas na guitarra.
O que interessava era a atitude. E isso Ari-Up (vocalista) tinha o suficiente para contagiar as restantes – particularmente Palmolive (que tocava bateria como se o mundo fosse acabar) e a guitarrista Viv Albertine. Com um "line-up" instável desde o início, no seu primeiro álbum tiveram Budgie, mais tarde célebre "partner" de Siouxie, na bateria.
O "punk" incomodou os conservadores britânicos, que menos preparados ainda estavam para mulheres a tomarem as suas próprias decisões, vestirem-se de forma irreverente e, principalmente, tocar alto, pesado e sem se importar com a opinião alheia. Tiveram dificuldades em deixar de ser a "banda de abertura" dos Clash e dos Sex Pistols, mas ao rasgarem o "papel" que estipulava o lugar da mulher na sociedade lançaram o caos num existência curta.
Tijolos pesados
Uma das bandas a aproveitar a herança das Slits foi a L7. Num outro lugar, num outro tempo – mais precisamente em Los Angeles, quando uma emigrada de Chicago (Donita Sparks) juntou-se à uma local (Suzi Gardner) com o simples desejo de fazer rock. Isso no final dos anos 80.
Com a formação já completa (Jennifer Finch no baixo, Demetra Plakas na bateria) tiveram de emigrar para Seattle para respirar um ar mais recetivo as contribuições femininas numa música dominada por homens. Lugar mais propício não havia: em plena efervescência do "grunge", foram devidamente convidadas pelo grande selo "indie" do momento, a Sub Pop, que as levou a "Smell the Magic" – álbum produzido por Jack Andino, o mesmo de "Bleach", dos Nirvana.
Daí para almejar (e conseguir) um contrato maior de distribuição foi um passo: a Warner podia lá não saber muito o que fazer com elas, mas teve a clarividência de as pôr nas mãos de Butch Vig – simplesmente o homem que no momento trabalhava nos multiplatinados álbuns de Nirvana, Smashing Pumpkins e Sonic Youth. O resultado foi uma pérola chamada "Bricks Are Heavy", repleto de "riffs" e refrões pegajosos em músicas inesquecíveis como "Shitlist", "Everglade", "Monster" e "Pretend We’re Dead". O álbum é a razão pela qual a banda será sempre lembrada.
"Pretend We’re Dead", o filme, acaba por não revelar muito sobre elas – preferindo relatar antes os seus gostos manifestos por parvalheiras, loucuras e apanhados nas "tours" (incluindo uma célebre "fake news" sobre uma ameaça de bomba na rodagem de um teledisco supostamente realizado por… Viggo Mortensen!) e as festas por onde passam celebridades "indies" como Nick Cave.
Sim, o célebre momento do "tampax" no festival de Reading (cansada de levar com lama de uma audiência furiosa com os problemas de áudio do concerto, Donita Sparks mandou um "tampax" usado para a audiência gritando "Eat my used tampon, fuckers!") também lá está, tal como o outro onde ficou nua da cintura para baixo num brejeiro programa com público da TV britânica.
Mas como na história do "rock’n’roll" não há farra que não termine numa bruta ressaca, as coisas começaram a azedar com o sucessor de "Bricks Are Heavy", chamado "Hungry for Stinky", lançado em 1994. Poucos anos depois, uma vida de desgastes e excessos, tal como a perda do sucesso comercial, começaram a fazer mossa.
A primeira a acusar o golpe foi Finch, que abandonou a banda no meio da gravação de "The Beauty Process: Triple Platinum" (no filme justifica a decisão em função da morte do pai e das preocupações com a sua saúde); mais tarde Gardner, num dos poucos testemunhos de amplitude emocional do filme, lamenta ter acabado "sem nada" – incluindo ter chegado aos 40 anos sem ter uma família.
A banda nunca expôs publicamente a degradação dos relacionamentos entre elas e, numa entrevista, Donita Sparks disse que na altura deste documentário elas não se falavam há longos anos e que gravaram separadamente os áudios para o filme. As coisas mudaram tempos depois quando, independente das diferenças pessoais, reagruparam-se para algumas "tours". Afinal, elas apenas estavam a fingirem-se de mortas.
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