O que se faz quando o partido político que se idolatra desde a infância ultrapassa uma linha vermelha e não se pode segui-lo?
O ex-congressista norte-americano Adam Kinzinger explica a sua escolha em "The Last Republican" ["O Último Republicano", em tradução literal], um novo documentário que traça a jornada do legislador do estado de Illinois, de herói de guerra e adorado pelo partido a 'Never Trumper' [Trump nunca] e pária do Capitólio.
O filme, que estreou no Festival de Cinema de Toronto, é realizado por Steve Pink, o mesmo de “Hot Tub Time Machine” ("Jacuzzi - O Desastre do Tempo" em Portugal), de 2010, que é o filme favorito de Kinzinger. Que também é um esquerdista assumido.
"Aqui estava um tipo do meu estado natal, a cujas opiniões políticas me opus profundamente, mas que sacrificou a sua carreira, amigos e até mesmo membros da família por causa da sua decisão de denunciar Donald Trump", disse Pink à France-Press (AFP) em entrevista por e-mail.
"Queria contar uma história sobre um tipo bastante normal em circunstâncias extraordinárias", explicou.
Para Kinzinger, a linha vermelha surgiu a 6 de janeiro de 2021 – o dia em que os apoiantes de Trump invadiram a sede do Congresso numa demonstração mortal de desafio ao que consideraram uma eleição presidencial roubada ao seu candidato por Joe Biden.
Após importantes figuras republicanas terem condenado as ações de Trump logo a seguir, a maré mudou.
Kinzinger diz que não conseguia perceber como os seus colegas se alinharam tão rapidamente.
“Naquele momento, senti-me muito isolado”, diz no filme.
Ele votou pelo 'impeachment' [destituição] de Trump – um dos únicos 10 republicanos a fazê-lo – e fez parte do comité especial dirigido pelos democratas para investigar os eventos de 6 de janeiro, juntamente com a colega republicana Liz Cheney.
No primeiro dia de rodagem, Kinzinger soube que os limites do seu distrito eleitoral haviam sido redesenhados - e que provavelmente perderia nas próximas primárias do seu partido.
Assim, o congressista durante seis mandatos optou por não concorrer à reeleição.
Pink acompanha Kinzinger nas audiências do comité e reproduz o áudio das vis ameaças de morte que recebeu no seu gabinete. Mostra Kinzinger e a sua esposa a dar as boas-vindas ao primeiro filho e membros da família do congressista publicamente a renegá-lo.
Kinzinger, hoje com 46 anos, faz uma avaliação rigorosa de um partido político que venerou noutros tempos.
“Não fui eu quem mudou. O Partido Republicano mudou”, diz Kinzinger.
E acrescenta: "Não acredito realmente que o que fiz tenha sido corajoso. Só acho que estou rodeado por cobardes".
Muito depois do fim da rodagem, na Convenção Nacional Democrata do mês passado, Kinzinger apoiou Kamala Harris em vez de Trump para as eleições presidenciais de 5 de novembro.
“Donald Trump sufocou a alma do Partido Republicano”, disse, sob aplausos em Chicago.
"A sua fraqueza básica percorreu o meu partido como uma doença, minando as nossas forças, amolecendo a nossa espinha, lançando-nos numa febre que nos libertou dos nossos valores", reforçou.
Pink diz esperar que o seu filme ajude a continuar “o debate sobre a importância de manter relacionamentos com aqueles que têm pontos de vista fundamentalmente diferentes dos nossos”.
O Festival Internacional de Cinema de Toronto, o maior do género na América do Norte, decorre até domingo.
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