Grande lançamento para este verão, "Elemental" é a 27.º longa-metragem de animação Pixar.
A estreia esta semana nos cinemas nacionais chega numa altura crucial para o emblemático estúdio, depois de vários filmes lançados diretamente na plataforma de streaming Disney+ durante a pandemia e o fracasso comercial de "Buzz Lightyear", ao mesmo tempo que os seus rivais florescem nas bilheteiras.
Inspirada pelas experiências do realizador Peter Sohn como filho de imigrantes da Coreia, esta é uma história de amizade e posteriormente de amor (algo raro na história da Pixar) na Cidade dos Elementos, onde vivem moradores de fogo, água, terra e ar, entre Ember (Chispa na versão portuguesa), uma jovem perspicaz e impetuosa de "fogo", e Wade (Nilo na 'tradução'), um rapaz divertido, sentimental e descontraído de "água", com o pano de fundo da emigração e as expectativas dos pais com os filhos.
Durante a conferência de imprensa virtual onde esteve presente o SAPO Mag, o veterano com muitos anos da Pixar, realizador da curta "Partly Cloudy" (2009) e que se estreou nas longas com "O Bom Dinossauro" (2015), contou que a inspiração para usar os elementos como personagens surgiu quando começou a "rabiscar coisas" para descobrir até onde o levariam e acabar por "tropeçar" nas de fogo, que conduziram a seguir à ideia de uma de água.
"Podia sentir o conflito e a diversão que poderiam vir daí. Mas isso também começou a ligar à minha própria vida com a minha esposa, tendo-me casado com alguém que não era coreano. E o choque cultural que isso criou com a minha própria família", explicou.
E aprofundou o contexto: "Quando estava a crescer, não dei valor a todas as coisas que os meus pais tinham passado. Uma guerra e vieram para os EUA sem saber o que quer que fosse de inglês. E eles enfrentaram muitos obstáculos que eu, um miúdo a crescer em Nova Iorque, simplesmente não percebia ou sentia empatia. E conforme envelheço e com cada efeméride que passa, mais fico de boca aberta com o que conseguiram fazer com tão pouco e que eu, como pai, não conseguiria fazer agora. E essa gratidão tornou-se o que uniu todas as partes do filme".
Peter Sohn teve de lidar precisamente com a morte dos pais durante a produção: o progenitor quando o projeto estava a ganhar forma numa fase muito inicial de desenvolvimento, a mãe perto do final: "Não sabia o quanto que isso afetaria esta produção [...]. Não sei se foi por causa da educação, mas simplesmente continuei a trabalhar sem parar. [...] Coloquei o máximo de amor e dedicação que consegui para os homenagear".
Sem surpresa, transferir os elementos para a animação revelou-se uma tarefa complexa, a começar pelo "fogo" da protagonista.
"Criar a Ember foi um problema muito difícil, mas o mais emocionante foi vê-la ganhar vida pela primeira vez, porque ela era a nossa personagem principal e carregava o fardo da história", diz o realizador, que assumiu ser a sua preferida de "Elemental" e que a "temperamental" protagonista e o "emocional" Wade espelham as personalidades da sua esposa, de origem italiana, e de ele próprio.
O principal desafio do fogo, acrescentaria mais tarde, foi chegar a um equilíbrio entre tornar a personagem cativante e ainda assim explorar o elemento: "Tentámos fogo que era realmente realista. Tentámos todo o tipo de coisas e pareciam assustadoras. Honestamente, poderíamos fazer um bom filme de terror com essas imagens".
Também presente nesta conversa com os jornalistas, a produtora Denise Ream concordou quando Peter Sohn diz que a água foi o elemento mais complicado de criar, destacando que "é sempre difícil do ponto de vista dos efeitos visuais" e foi necessário adicionar camadas para tornar Wade cativante, um desafio quando se "tenta criar uma interpretação" de algo cuja natureza é... reflexiva.
"Se se olhar realmente para a água, ela pode ser de qualquer cor do arco-íris porque é um espelho. Portanto, estávamos a lidar com esses mesmos problemas ao fazer a sua iluminação", acrescentou o realizador.
Curiosamente, "Partly Cloudy" acabou por ser uma primeira "experiência" com o "ar": a curta que realizou para Pixar em 2009, exibida nos cinemas antes de "Up - Altamente!", era sobre nuvens que criavam bebés e os entregavam aos pais através das cegonhas.
E Peter Sohn destaca a evolução: "Adoro esta ideia da Pixar de tentar encontrar uma história comovente ao mesmo tempo que faz avançar a tecnologia. Adoro o tempo, adoro a natureza, e este conceito da personagem do ar era apenas algo que pensei que não tinha sido animado antes. Naquela altura, não tínhamos a tecnologia para realmente obter essa qualidade, mas agora sim".
A Cidade dos Elementos é uma metrópole onde se entra pelo porto logo nos primeiros segundos do filme feia à imagem de grandes cidades portuárias conhecidas pelos fluxos de emigração, como Veneza, Amesterdão e, naturalmente, Nova Iorque ("uma grande inspiração").
Mas o realizador esclarece que "vasculharam" quase tudo, de edifícios do Brasil ao Médio Oriente: "Vimos arquitetura de todo o mundo. Estávamos a olhar muito para cidades portuárias, em termos de tentar encontrar portas de entrada para um país, entender como um país recebe pessoas de outros ‘hubs’ de imigração à volta do mundo. E isso foi apenas para o porto, mas também para edifícios icónicos que pareciam românticos, bonitos ou memoráveis. Estivemos, literalmente, sete anos neste filme".
"Elemental" tem outras influências, já que, esclarece Peter Sohn, "aqui somos todos cinéfilos e gostamos sempre de ser inspirados por filmes".
Por exemplo, para a história de amor entre Ember e Wade, a dupla cita comédias românticas como "O Feitiço da Lua", com Cher e Nicolas Cage; "Viram-se Gregos Para Casar", com Nia Vardalos; e até "Shall We Dance?" (a versão original japonesa, fazem questão de especificar, não vá confundir-se com o 'remake' com Richard Gere, Susan Sarandon e Jennifer Lopez).
"Para cada camada, havia algum filme que viria a ser uma fonte de inspiração", salienta o realizador, com a sua produtora a dar os dois primeiros "O Padrinho", de Coppola, como exemplo para a emigração e as expectativas e dinâmicas familiares.
E ainda houve títulos, principalmente franceses, para onde os animadores se viraram pela forma como filmaram e mostraram as próprias metrópoles, nomeadamente do cinema de Jean-Pierre Jeunet: "A Cidade das Crianças Perdidas" (1995), correalizado com Marc Caro, e "O Fabuloso Destino de Amélie".
Este é "um filme muito colorido com muitas comunidades diferentes" e isso é que foi "divertido" de criar. Apesar de reconhecer que ele e os seus pais tiveram experiências de xenofobia em Nova Iorque ("mais pessoais do que políticas", garantiu) e que os temas são muito pessoais para si, Peter Sohn rejeita interpretações políticas: o tom geral de "Elemental", defende, é de "esperança".
TRAILER.
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