A organização do festival de Cannes apoia o realizador Terry Gilliam contra o produtor Paulo Branco, que avançou com um processo judicial para impedir a exibição de "O Homem que Matou D. Quixote" a 19 de maio.

O comunicado do presidente Pierre Lescure e o delegado-geral Thierry Frémaux reforça a intenção de exibir o filme na sessão de encerramento e é bastante duro com o produtor português.

"Afirmamos firmemente que estamos do lado dos realizadores e, em particular, do lado de Terry Gilliam. Desta última vez, os problemas foram causados pelas ações de um produtor que mostrou a sua verdadeira face de uma vez por todas durante este acontecimento e que nos ameaçou, através do seu advogado, com uma 'derrota humilhante'".

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"Derrota seria sucumbir às ameaças", escreveram, recordando que a organização convidou dois realizadores em prisão domiciliária para apresentar os seus filmes na seleção oficial e um outro, "Rafiki,", acabou de ser censurado no seu país de origem, o Quénia.

Em causa está uma ação de interdição interposta a 25 de abril pelo produtor português Paulo Branco, através da produtora Alfama Films, para impedir que o festival de Cannes exiba o filme de Terry Gilliam no encerramento desta 71.ª edição.

Por decisão judicial do Tribunal de Paris, está marcada uma audiência para a próxima segunda-feira, véspera de abertura do festival, e aí se saberá se o filme poderá ou não ser exibido.

No comunicado, a direção do festival recorda que está planeada a estreia do filme em pelo menos 300 salas em França, mas garante que respeitará a decisão do tribunal. De permeio, critica duramente o produtor Paulo Branco, recordando que usou o festival ao longo da sua carreira para construir a sua própria reputação.

"Como o senhor Paulo Branco tem estado muito visível nas áreas da comunicação social e judicial, parece ser necessário salientar as razões que nos levaram a escolher o filme e a arriscar as ações do produtor, cujo advogado, Juan Branco, gosta de salientar que a sua imagem e a sua credibilidade são essencialmente construídas pelas suas numerosas aparições em Cannes e pela sua proximidade com os grandes autores homenageados pelo Festival. A última parte é verdadeira, o que aumenta a nossa diversão", esclarece o duro texto.

Noutra passagem, o festival diz que não está a forçar a questão, como defendeu o advogado de Paulo Branco e carrega no tom: "Toda a nossa profissão sabe que 'forçar a questão' tem sido sempre o método preferido do senhor [Paulo] Branco e devemos recordar que ele organizou uma conferência de imprensa há alguns anos onde acusou o Festival de Cannes porque não tinha mantido 'a promessa de selecionar' um dos seus filmes. Esta foi uma acusação que não chegou a lado algum porque o Festival não faz promessas de selecionar filmes: ou os seleciona ou não. Hoje, o senhor Branco permitiu ao seu advogado fazer declarações intimidatórias e difamatórias, tão irrisórias quanto ridículas, uma das quais tem como alvo o antigo presidente de um evento que ele usou ao longa da sua carreira para criar a sua própria reputação."

Uma polémica que vem de longe

No centro desta polémica está pelo menos um processo judicial que opõe o realizador Terry Gilliam ao produtor Paulo Branco.

O projeto chegou a contar com produção de Paulo Branco, mas Terry Gilliam acabou por não concretizar a parceria, alegadamente por problemas de financiamento, optando por trabalhar com outra produtora portuguesa, a Ukbar Filmes.

Terry Gilliam pediu a anulação do contrato de produção com a produtora Alfama Films, de Paulo Branco, mas, no ano passado, o Tribunal de Grande Instância de Paris declarou que aquele continua válido.

"Continuo a ter os direitos sobre o filme e será difícil que a situação seja revertida. A decisão de 15 de junho, que foi comunicada, não resolve nada. Há ainda um processo no Reino Unido", disse Paulo Branco à agência Lusa no passado dia 4 de abril.

Nesse dia, Pandora da Cunha Telles, da Ukbar Filmes, explicou à agência Lusa que este processo "não inviabiliza nem a exploração comercial nem a circulação do filme".

Sobre este processo está marcada para 15 de junho uma audiência no Tribunal de Recurso em Paris na qual será conhecida a sentença sobre a possível indemnização do cineasta ao produtor português, por causa de direitos sobre o filme.

"O Homem que Matou D. Quixote", um projeto antigo de Terry Gilliam, é uma coprodução entre Portugal, Espanha, França, Bélgica e Inglaterra, com um orçamento de cerca de 16 milhões de euros, que teve filmagens em Portugal.

À Lusa, Paulo Branco recordou que "os direitos do filme ainda pertencem à Alfama Films" e disse estar há pelo menos dois anos "disposto a sentar-se à mesa" para negociar com o realizador.