O documentário “Sério Fernandes – O Mestre da Escola do Porto”, realizado pelo antigo aluno Rui Garrido, estreia-se no sábado, no Porto/Post/Doc, e procura mostrar o realizador “como é hoje e como chegou a esse momento”.
Dirigido por Rui Garrido, o filme faz parte da secção “Cinema Falado” e pode ser visto pelas 22:00, no Cinema Passos Manuel, retratando as motivações e decisões de uma figura conhecida como “o mestre da escola do Porto”, e realizador de "Chico Fininho" (1982), entre muitos outros.
Rui Garrido foi aluno de José Eugénio Sério Fernandes na Escola Superior Artística do Porto (ESAP), um “processo atribulado” em que surgiu a ideia de fazer o documentário, não tanto pelo interesse biográfico mas antes sobre “como as coisas que ele fez influenciam a vida dele neste momento, e como os filmes que foi fazendo são um espelho do que acredita e como decidiu viver”, diz à Lusa.
O filme conta a história até aqui, por uma série de perspetivas da vida do realizador e professor de cinema, da Bei Film, depois de trabalhar numa empresa de publicidade que fez sucesso no Porto, à rodagem de “Chico Fininho”, um filme em que Vítor Norte interpreta a famosa personagem da canção de Rui Veloso.
Esse filme, conta Rui Garrido, “foi uma espécie de catalisador para repensar a vida”.
“É o filme que lhe muda a vida, depois disso já não conseguia viver de outra maneira. Abraçou completamente os animais, a arte, a escultura, a pintura e os filmes que queria fazer”, afirma.
De ser o dono da empresa de publicidade até “ao ponto em que está hoje” foi um processo artístico que Sério desenvolveu ao longo dos anos, chegando a fazer, nos dias que correm, “filmes bastante pequenos, sem orçamento propriamente dito, e muito pessoais, quase familiares”.
“Criou toda uma dinâmica que é bastante interessante e apelativa para as pessoas que fazem parte desta espécie de coletivo que existe ali [em torno do cineasta]. [Este documentário] é para mostrar de onde é que ele veio, e como essas decisões influenciaram e foram modificando a pessoa, até quem é hoje”, completa.
Quando Sério Fernandes recebeu, do festival da Escola Superior Artística do Porto (ESAP), o Prémio Aurélio Paz dos Reis, “quase um prémio de carreira” quando se reformava da docência, Rui Garrido decidiu avançar com a rodagem, que durou cerca de um ano.
Mesmo que este não tenha sido “o professor ideal para toda a gente, porque surgiram alguns conflitos quanto ao método”, a abordagem ao cinema marcou “muitos alunos”, e há agora uma maior valorização da aprendizagem, relata o antigo discípulo.
Uma das relações marcantes deste trabalho é a ligação entre os animais e o próprio cinema, dos cães aos vários gatos que aparecem no filme, bem como a natureza.
“É ele próprio que o constata. Quando a atividade comercial começou a decrescer [na Bei Film], começaram a aparecer os gatos. Dantes, estava tão embrenhado no trabalho que não tinha tempo nem vontade para explorar. (...) Quis manter-me bastante fiel à visão dele, de que a única maneira de experienciar a natureza na vida era afastar o lado comercial. Foi a maneira, para ele, de viver a 100%”, revela.
Depois, há um certo controlo de Sério Fernandes sobre o documentário, quase como se transcendesse a figura de entrevistado e ‘biografado’, uma opção que, conta o seu ex-aluno, se deve a essa própria relação académica, mas também “porque é algo que ele quer mostrar e é importante para ele”.
“Muitas vezes não tenho controlo, porque se nota claramente que o Sério quer mostrar uma certa coisa e como que toma as rédeas do que vamos mostrar. (...) Muito do que está no filme está, porque ele quer mostrar e é importante para ele”, afiança.
Rui Garrido olha para o antigo professor como “uma pessoa teatral, e isso vê-se ao longo do filme”, como na tentativa de depositar uma bobine de um filme, “Odisseus”, de 1987, no mar, numa viagem de barco, e aponta para uma relação professor-aluno que “acaba por influenciar, nunca desaparece”, como influenciando o rumo do documentário.
O papel da docência também surge no filme, sobretudo através da noção conceptual do “quadro artístico-cinematográfico”, uma das bases do cinema de Sério Fernandes.
“O Sério faz os filmes, muitas vezes, não para outros mas como coisas simbólicas para ele, muitas vezes para fechar um capítulo da vida dele. Faz um filme sobre o sol e a lua, a última viagem de carro, quando vende a mesa de montagem grava a desmontagem. (...) É um processo para finalizar certos capítulos da vida, e é uma maneira diferente de pensar num filme”, acrescenta.
Depois de trabalhar na Agence Havas e noutras companhias de publicidade, José Eugénio Sério Fernandes fundou a Bei Film, no Porto, em 1974, e realizou várias dezenas de filmes, tendo depois estudado teatro na Cooperativa Árvore.
Trabalhou como docente de realização na ESAP, entre 1991 e 2015, realizando filmes com os seus alunos, em vários países, de Portugal ao Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, França, Espanha ou Bélgica, entre outros, continuando a filmar até hoje.
A sexta edição do Porto/Post/Doc decorre a partir do próximo sábado, 23 de novembro, a 01 de dezembro, no Teatro Municipal do Porto - Rivoli, no Cinema Passos Manuel e no Planetário do Porto - Centro Ciência Viva, desdobrando-se, além das secções competitivas e temáticas, num programa homónimo, paralelo, de filmes, sessões de cinema para famílias, ‘workshops’, concertos e festas.
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