É mesmo verdade: faz 80 anos esta quarta-feira o herói das matinés que encheu os cinemas para ver os filmes de aventuras "Indiana Jones" na década de 1980.

A 30 de junho de 2023, a duas semanas de mais um aniversário, Harrison Ford regressará aos cinemas como "Indy" pela quinta e última vez, mas a despedida pode não ser apenas da famoso arqueólogo: numa entrevista, o lendário compositor John Williams, atualmente com 90 anos, confirmou que o filme deverá ser a sua última banda sonora... e que a sua inspiração para a retirada veio do ator.

Filho de pai irlandês e mãe judia russa, Ford frequentou a faculdade de Inglês e Filosofia e estreou no cinema em 1966, fazendo um pequeno papel em " Amar... nas Horas Vagas".

Desanimado com a sucessão de papéis insignificantes no cinema e televisão, e com mulher e dois filhos para sustentar, Ford largou tudo em 1970 para ser carpinteiro. Porém, um dos seus clientes, o agente de "casting" Fred Roos, intercedeu junto do George Lucas para que ele fosse escolhido para o elenco de "American Graffiti: Nova Geração" (1973), que se revelou um estrondoso sucesso.

No entanto, Ford não viu chegaram propriamente novas propostas e manteve-se a trabalhar como carpinteiro. Francis Ford Coppola, que acabara de sair do sucesso de "O Padrinho" (1972), ofereceu-lhe trabalho nessa área e, a conselho de Roos, usou-o em pequenos papéis nos seus filmes "O Vigilante" (1974) e "Apocalypse Now" (lançado em 1979, mas rodado três anos antes).

"A Guerra das Estrelas" (1977)

Entretanto, George Lucas preparava o "casting" da sua épica "space opera", ainda com o título provisório "The Adventures of Luke Starkiller as taken from the Journal of the Whills, Saga I: The Star Wars". E estava determinado a não voltar a chamar atores do seu filme anterior para evitar associações a uma espécie de "American Graffiti no espaço". Já Fred Roos estava completamente convencido que Ford era perfeito para ser Han Solo e contratou-o para construir uma porta para o seu escritório na American Zeotrope, onde iria decorrer o "casting".

Segundo a história oficial da saga, Lucas viu-o a trabalhar e pediu ajuda para dizer os diálogos aos outros atores que estavam a fazer testes para o papel do contrabandista. Até que finalmente percebeu que o carpinteiro sedutor com carisma natural e tom lacónico era mesmo a melhor opção para o papel. Quando "Star Wars" estreou em maio de 1977, tinha 34 anos, a carpintaria passou a ser um hobbie.

"Os Salteadores da Arca Perdida" (1981)

Seguiram-se papéis de maior destaque em "Os Comandos de Navarone" (1978), "Ao Encontro da Guerra e do Amor" (1979) ou "Desculpe, Onde Fica o Far-West?" (1979), antes de regressar a "Star Wars com o "episódio V", "O Império Contra-Ataca" (1980), até que se dá o momento decisivo na carreira: a personagem de Indiana Jones em "Os Salteadores da Arca Perdida" (1981), de Steven Spielberg e produzido por Lucas, consolidou definitivamente a sua posição na indústria de Hollywood.

Em 1982, regressaria ao género da ficção científica, mas Rick Deckard era muito diferente de Han Solo: "Blade runner", de Ridley Scott, foi um fracasso comercial que ganhou estatuto de culto em poucos anos e permanece um dos seus filmes mais respeitados, ao ponto de justificar uma sequela em 2017, "Blade Runner 2049", com um Denis Villeneuve a corresponder ao grande desafio e a conseguir fazer justiça a todo aquele mundo distópico povoado de replicantes.

Terminado o contrato "Star Wars" com "O Regresso de Jedi" (1983), seguiu-se um estimulante período em que provou a sua versatilidade e talento para o drama e comédia ao serviço de realizadores de prestígio, em filmes como "A Testemunha" (1985) e "A Costa do Mosquito" (1986), ambos realizados por Peter Weir e que considerou entre as melhores experiência de toda a carreira (o primeiro permanece a sua única nomeação para os Óscares), "Frenético" (1987), de Roman Polanski, "Uma Mulher de Sucesso" (1988) e "O Regresso de Henry" (1991), às ordens de Mike Nichols, e "Presumível Inocente" (1990), de Alan K. Pakula. Ao mesmo tempo, juntava-se a Spielberg (e Lucas) para encher os cinemas como ídolo das matinés em "Indiana Jones e o Templo Perdido" (1984) e "Indiana Jones e a Grande Cruzada (1989).

OS MELHORES FILMES DA CARREIRA.

Nos anos 1990, Ford tornou-se Jack Ryan em dois grandes sucessos de bilheteira, "Jogos de Poder - O Atentado" (1992) e "Perigo Imediato", apanhando de surpresa Alec Baldwin, que fora o agente da CIA em "Caça ao Outubro Vermelho" (1990), que nunca lhe perdoou: na sua biografia "Nevertheless" em 2017, descreve como John McTiernan, o realizador desse primeiro filme, perguntou a Ford se ele sabia que o estúdio Paramount ainda estava a negociar com o colega e ouvia como resposta um 'Fu** him' (um muito específico 'Ele que se lixe').

"O Fugitivo" (1993), uma versão para cinema da popular história da série de TV dos anos 1960, foi outro sucesso gigantesco: além da nomeação para o Óscar de Melhor Filme, invulgar para um "thriller" de ação, conseguiu algumas das melhores críticas ao talento como ator dramático. E se teve desilusões comerciais com a comédia romântica "Sabrina" (1995), de Sidney Pollack, e o reencontro com Pakula "Perigo Íntimo" (1996), onde confrontava Brad Pitt (à frente das câmaras e nos bastidores), mostrou-se logo a seguir imbatível como o Presidente dos EUA sob ameaça terrorista em "Força Aérea 1" (1997).

Terminava aqui a era de ouro como estrela de cinema, um total de 20 anos desde "Star Wars", com 14 filmes a entrarem no Top 15 dos mais rentáveis nas bilheteiras dos EUA e 12 no Top 10.

Pelo meio, houve também mudanças pessoais: o primeiro casamento, com Mary Marquardt, durou de 1964 a 1979, de que nasceram dois filhos; o segundo, com Melissa Mathison, a argumentista de "E.T. - O Extra-Terrestre", terminou em 2000, também com dois filhos. Desde 2002, vive com a atriz Calista Flockhart (da série "Ally McBeal"), com quem casou oito anos mais tarde.

"Força Aérea 1"

Com exceção de "A Verdade Escondida" (2000), de Robert Zemeckis, um grande sucesso de bilheteira e de crítica onde se mostra em grande forma ao lado de Michelle Pfeiffer, e de "Manhãs Gloriosas" (2010), ao lado de Rachel McAdams e Diane Keaton, que apesar do fracasso comercial lhe valeu boas críticas, Ford não consegue repetir o mesmo sucesso ao conjugar filmes de ação, dramas e comédias: o seu estatuto de estrela não consegue salvar escolhas como "6 Dias 7 Noites" (1998), "Encontro Acidental" (1999), "K-19: O Fazedor de Viúvas" (2002), "Homicídio em Hollywood" (2003), "Firewall" (2006), "Para Lá da Fronteira" (2009), "Medidas Extraordinárias" (2010) e "Cowboys e Aliens" (2011). Mesmo o regresso em "Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal" (2008), apesar do sucesso comercial, não convence completamente muitos fãs e críticos.

A decisão de se manter como estrela nas grandes produções de Hollywood e dos seus generosos salários também o levou a recusar dois projetos que poderiam ter relançado a sua carreira para grandes papéis dramáticos: o papel que foi para Michael Douglas em "Traffic - Ninguém Sai Ileso" (2000) e aquele em "Syriana" (2005) que valeu o Óscar a George Clooney.

Quando finalmente muda o rumo e decide aceitar mais papéis secundários e diversificados, volta a não ser feliz em "Paranóia" (2013), "Ender's Game - O Jogo Final" (2013) e mesmo "Os Mercenários 3" (2014), mas é elogiado pela presença em "42" (2013), protagonizado por Chadwick Boseman, "Que Se Lixem As Notícias" (2013) e "A Idade de Adaline" (2015).

Depois dão-se os regressos ao passado com "Star Wars: Episódio VII - O Despertar da Força" (2015) e "Blade Runner 2049" (2017), o primeiro crédito nas animações com "A Vida Secreta dos Nossos Bichos 2", antes de voltar a ser infeliz como estrela das grandes produções com o drama canino "O Apelo Selvagem" (2020), que já era um fracasso de bilheteira antes de ter sido afetado pelo fecho dos cinemas três semanas depois da estreia por causa da pandemia.

Em 2023, adivinha-se o regresso ao sucesso nas salas com o quinto "Indiana Jones", que pode ser a despedida do cinema, mas não a reforma: o seu futuro passará pela televisão, que está a um nível criativo e técnico muito diferente desde as suas últimas experiências na década de 1970.

"Shrinking", da mesma equipa de "Ted Lasso", e depois "1923", uma prequela de Taylor Sheridan do seu grande sucesso "Yellowstone", onde reencontrará Helen Mirren, mais de 30 anos depois de "A Costa do Mosquito", parecem apostas fiéis de alguém que sempre viu a carreira de forma profundamente pragmática, chegando a dizer um dia que "penso nas pessoas que vão aos meus filmes mais como clientes do que fãs" e que "apoiam o meu negócio e sou responsável perante elas pela qualidade do serviço que estou a oferecer".