Três anos após "2001: Odisseia no Espaço", chegava aos cinemas o muito aguardado novo filme de Stanley Kubrick: "Laranja Mecânica".

Com um dos cartazes mais célebres da história do cinema, foram os espectadores de Nova Iorque os primeiros a ver a 19 de dezembro de 1971 a chegada de Alex DeLarge ao grande ecrã, a pontapear, agredir e roubar, a dançar sapateado e a violar enquanto cantava 'Singin' in the Rain'.

O trajecto de Alex, desde punk amoral a respeitável cidadão, após uma lavagem ao cérebro, formavam o arco dramático da visão futurista e de choque que Kubrick adaptou do romance de Anthony Burgess para um estudo perversamente divertido e assustador sobre delinquência juvenil, a natureza do mal e a aplicação da justiça, com imagens inesquecíveis e surpreendentes contrastes musicais.

Seria o filme mais controverso da carreira do cineasta e o legado inicial foi desagradável, com ele banido de vários países por causa das controvérsias e responsabilizado por vários atos de violência. Kubrick acabaria por pedir para que fosse retirado dos cinemas britânicos em 1973.

Também Malcolm McDowell não só se arrependeu como detestou durante muito tempo o seu papel como o jovem delinquente que liderava um bando de sociopatas numa Inglaterra distópica, de longe o seu trabalho mais recordado no cinema.

"Fiquei ressentido nos primeiros dez anos depois de o fazer. Estava farto dele. Não queria falar sobre a p**** da coisa, estava cansado daquilo. Disse 'Vejam, sou um ator, tive a oportunidade de interpretar um grande papel, estou a seguir em frente'", recordou Malcolm McDowell no final de setembro numa entrevista à revista New Musical Express sobre os 50 anos.

"Depois acabei por perceber que era uma obra-prima e eu era muito, muito parte disso. Mais valia aceitar e desfrutar", acrescentou.

A entrevista recordava a experiência de uma rodagem que deixou Malcolm McDowell "totalmente exausto emocionalmente e também fisicamente", com destaque para a famosa sequência em que os seus olhos eram presos por um aparelho, sem poder piscar, enquanto a sua personagem via imagens de violência, uma lavagem cerebral para o "curar" dos seus perversos instintos.

O ator chegou a ficar temporariamente cego por causa de uma córnea arranhada pois a rodagem da cena não correu exatamente como lhe tinham descrito.

Pior, uma semana depois foi necessário rodá-la outra vez porque Kubrick precisava de um grande plano do olho.

"E claro que arranharam as minhas córneas [outra vez], nada como da primeira vez mas sabia que ia acontecer. Isso foi uma tortura porque sabia o que esperar... mas, sabem que mais, valeu a pena", reconheceu na entrevista.

Malcolm McDowell

O legado de "Laranja Mecânica" nunca deixará de estar ligado à controvérsia que gerou quando estreou em 1971 e que durou muitos anos, mas ele foi reabilitado e reinterpretado sobre as suas intenções. E também Malcolm McDowell está muito mais confortável com a ideia de ser o "símbolo da maldade distópica".

"'Laranja Mecânica' encontrou sempre um público. teve sempre a próxima geração de miúdos que vão para a universidade, descobrem o filme – e ele torna-se um ritual de passagem. Faz-se um filme como esse, é histórico e fecha-se num cofre. Não se pode viver disse e sem dúvida que sou uma pessoa muito diferente da que era quando o fiz. Era um miúdo. Mas se estou feliz por o ter feito? Absolutamente. É notável", concluiu.