Após um ano a avaliar as estreias da semana nas salas, pedimos aos críticos de cinema de SAPO Mag Daniel Antero e Hugo Gomes para cumprirem o tradicional ritual desta época: a escolha dos melhores e piores filmes do ano.

Do décimo até ao primeiro, ordenámos as suas listas individuais dos 10 melhores filmes do ano pela posição em ordem crescente até chegar à revelação do título que acharam ser o melhor de 2019: alguns dos 10 coincidiram, mas as escolhas são estimulantes e destacam-se pela enorme diversidade.

Também pedimos que nos indicassem, sem ordem especial, cinco filmes que se "destacaram" pelas piores razões.

Ao contrário do que aconteceu nos melhores, as escolhas não coincidiram e o resultado é um TOP10 em que todos ficam na mesma posição: a de terem deixado más recordações.

OS MELHORES FILMES DE 2019

10º lugar: "Dor e Glória" (Daniel Antero) e "Verão" (Hugo Gomes)

Daniel Antero ("Dor e Glória"): Um lamento saudosista, comovente e íntimo, onde Pedro Almodóvar se reflete em Antonio Banderas. Num espelho cinematográfico inteligente, uma dúbia meta-narrativa vai crescendo, criando um tributo à arte de viver e contar histórias.

Hugo Gomes ("Verão"): Sem romances escandalosos, as biografias de cantores de rock seriam inúteis", ouve-se a certa altura nesta não convencional cinebiografia sobre a criação da banda de rock soviético Kino. Do dissidente russo Kiril Serebrennikov, eis um filme intrinsecamente poético (são bandas de Leninegrado que tocam rock que não é rock, mas que pretende ser rock) e expostamente revoltado sobre a resistência jovial e punk perante uma ideologia em queda no gradual contacto com o acidente.

9º lugar: "A Favorita" (Daniel Antero) e "Marriage Story" (Hugo Gomes)

Daniel Antero ("A Favorita"): Ode perversa ao amor, ao abandono e ao poder. O realizador Yorgos Lanthimos orquestra um recreio pitoresco, onde Olivia Colman (vencedora do Óscar), Rachel Weisz e Emma Stone são a tríade que afasta a aristocracia inglesa do século XVIII dos bons costumes, preenchendo-a de gula e deboche.

Hugo Gomes ("Marriage Story"): Embora ele o negue, há quem diga que Noah Baumbach se baseou no seu processo de divórcio para este filme emocionalmente cortante sobre o desgaste amoroso e as eternas batalhas judiciais e sentimentais de uma separação. Desempenhos impactantes e cuidadosamente explosivos fazem deste drama (e produção Netflix) um dos mais certeiros filmes sobre o tema do divórcio no panorama norte-americano, onde a distância é, por si, um alvo de foco.

8º lugar: "Midsommar – O Ritual" (Daniel Antero) e "Joker" (Hugo Gomes)

Daniel Antero ("Midsommar – O Ritual"): Macabro, alucinatório, de contornos viscerais e provocadores. "Midsommar" é um festival de horror arcaico, tratado antropológico onde a luz amplifica o que não queremos ver. O que poderia estar escondido está, afinal, mesmo à nossa frente. Nós é que optámos por não acreditar que o que víamos era verdade.

Hugo Gomes ("Joker"): Uma génesis anti-canónica embrulhada em maneirismos e referências do cinema de Scorsese. Um fenomenal Joaquin Phoenix e Todd Phillips compõem uma obra cruel que dialoga com a atualidade, dos movimentos populistas até à marginalização das minorias e dos incapacitados numa sociedade que cada vez mais os despreza. Um filme ambíguo que nos faz temer pela sua capacidade e recusa de empatia. Uma das mais interessantes e sólidas incursões do cinema de super-heróis.

7º lugar: "Toy Story 4" (Daniel Antero) e "John McEnroe: Domínio da Perfeição" (Hugo Gomes)

Daniel Antero ("Toy Story 4"): Tal como reencontrar um amigo após muitos anos, "Toy Story 4" é ternura e saudade. Reparamos que está evoluído, mas só conseguimos ver a criança que ele era. Uma sinfonia de brinquedos onde a mestria da animação 3D é impressionante.

Hugo Gomes ("John McEnroe: Domínio da Perfeição"): Julien Faraut arranca com um texto do crítico Serge Daney em que comparava o Cinema com o desporto, nomeadamente o ténis, para partir numa busca pela perfeição nas posturas e gestos destes jogadores. Nesta sua investigação, esbarra no improvável, em John McEnroe e os seus movimentos desengonçados, na postura imprópria e no seu feitio que motivavam constantes paragens da partida. Através da imperfeição, tenta-se decifrar a perfeição.

6º lugar: "Knives Out: Todos São Suspeitos" (Daniel Antero) e "Era Uma Vez em… Hollywood" (Hugo Gomes)

Daniel Antero ("Knives Out: Todos São Suspeitos"): Guiando um elenco carismático, o realizador Rian Johnson tirou os livros de crime e mistério da estante e limpou-lhes o pó. Mordaz e divertido, usou as regras de Agatha Christie e compõs um "whodunit" no interior de uma casa que mais parece um tabuleiro de Cluedo. Um filme que merece segundos visionamentos e, porque não, uma sequela.

Hugo Gomes ("Era Uma Vez em… Hollywood"): Deambulamos pelas avenidas solarengas de Los Angeles, ou passeamos por um rancho cercado pelo culto Manson, trilhos e esperas que nos levam a um cinema dotado de paciência, mas percorrido com o amor à Sétima Arte, esse, oriundo de um dos seus entusiastas. Absolutamente "tarantinesco" e longe dos quadrantes do politicamente correto, um filme que é um espelho da nossa realidade e condição social, refletidas numa permanente fábula.

5º lugar: "Joker" (Daniel Antero) e "Dor e Glória" (Hugo Gomes)

Daniel Antero ("Joker"): "Art-house" vindo do universo de super-heróis que encerra em si toda a escola de cinema de Scorsese. Com laivos de demência e sensibilidade, Joaquin Phoenix define o arquétipo do louco, num filme divisivo, polémico e contagiante.

Hugo Gomes ("Dor e Glória"): Após algumas revisitações falhadas, Almodóvar regressa ao passado, fonte de inspiração de algumas das suas melhores obras, para exorcizar as suas memórias num retrato de vitórias e derrotas. O “Pedrito” tem aqui o seu grande pseudónimo na pele de António Banderas, aquele que é possivelmente a seu papel mais rigoroso. Certamente sereno, consciente do seu percurso e sabiamente maduro, o filme é o melhor de dois mundos, a sensibilidade e a maturidade.

4º lugar: "O Irlandês" (Daniel Antero) e "Mektoub Meu Amor, Canto Um" (Hugo Gomes)

Daniel Antero ("O Irlandês"): Nostalgia e abandono abarcam-nos no final deste épico de Martin Scorsese. Com ele, Robert De Niro, Joe Pesci e Al Pacino. Sentimos que estamos perante o desvanecer de uma era do cinema. A palavra substitui os nervos e a violência, num filme sobre mortalidade. Não só das personagens, mas também dos seus "performers". Mas como lhes cabe a eles a decisão, decidiram sair em grande estilo.

Hugo Gomes ("Mektoub Meu Amor, Canto Um"): Para as acusações de misoginia e de voyeurismo, respondemos com uma espécie de efeito proustiano no preciso momento em que Abdellatif Kechiche revisita as suas memórias de juventude numa distorção ficcional. A câmara assume diversa vezes o olhar de um jovem propício à descoberta sexual e emocional, e o filme acompanha essa libertação como um mero turista por entre praias, ruralidade e noites enfrascadas em álcool.

3º lugar: "Era Uma Vez em… Hollywood" (Daniel Antero) e "Glass" (Hugo Gomes)

Daniel Antero ("Era Uma Vez em… Hollywood"): Com um elenco de luxo, Tarantino, o realizador rock n´roll, enciclopédico, compõe uma ode ousada e melancólica a uma era perdida de Hollywood, centrada num verão de 1969.

Hugo Gomes ("Glass"): Nesta secretamente trabalhada trilogia do realizador de “O Sexto Sentido” e “O Protegido”, eis uma analogia ao nosso mundo, dominado pelo universo dos "comics" e super-heróis, desafiando a formatação cinematográfica a partir de uma impingida desconstrução. Mesmo sendo disperso na mensagem, M. Night Shyamalan nunca pretendeu fazer o mesmo que outros com materiais familiares, mas sim olhar à volta e repensar essa mesma paisagem. Será fruto de reavaliações no futuro.

2º lugar: "Em Chamas" (Daniel Antero) e "Parasitas" (Hugo Gomes)

Daniel Antero ("Em Chamas"): Mistério metafísico, drama psicológico, "thriller" elegante. A inquietude e a ambiguidade bailam no filme do veterano Lee Chang-dong, uma hipnose sobre um triângulo amoroso.

Hugo Gomes ("Parasitas"): O sul-coreano Bong Joon-ho sempre requisitou a luta entre classes, seja de forma evidente ou subliminar, durante a sua carreira. Aqui segue uma família que sobrevive à conta de esquemas e subsídios e tenta infiltrar-se num seio mais avantajado. A sua obra narrativamente e tematicamente mais convencional, mas nem por isso inferior, pelo contrário: é a sua acessibilidade comunicacional que o torna universal e igualmente pontuado de pormenores deliciosos e fracturantes sobre as pirâmides hierarquizadas das nossas sociedades (ocidental ou oriental).

O MELHOR FILME DE 2019: "Parasitas" (Daniel Antero) e "Vitalina Varela" (Hugo Gomes)

Daniel Antero ("Parasitas"): Apoteose de violência, humor cruel e negro, suspense sufocante. Os géneros entrelaçam-se neste filme sombrio, implacável e portentoso de Bong Joon-ho, que fractura ainda mais as classes da sociedade sul-coreana.

Hugo Gomes ("Vitalina Varela"): Premiado com a distinção máxima no Festival de Locarno, mais o prémio de atriz, eis mais um feito do cineasta português Pedro Costa no seu percurso de constante reinvenção artística. Uma jornada por entre fantasmas e viúvas numa Lisboa soturna e condenada à marginalização onde, pelo meio, há todo um investimento estético que proclama o filme como um livro de ilustrações aberto para cada um de nós apreciar (nota ao diretor de fotografia Leonardo Simões). Uma experiência sensorial.

E OS PIORES...

"Réplicas"

Daniel Antero: Keanu Reeves é capaz do melhor... "John Wick", Duke Caboom em "Toy Story 4", sensação da internet, roubar cenas em "Always Be My Maybe"… e do pior, como neste "sci-fi" terrível com uma premissa que envolve clones, representação digna de andróides e um argumento feito por um mecanismo de A.I. preguiçoso.

"Tiro e Queda"

Hugo Gomes: Leonel Vieira não se encontra na realização, mas é como estivesse, o cargo de produtor faz com o “filme” assuma o estilo cinematográfico renunciante dos seus últimos trabalhos, ou seja, televisão estampada na grande tela … e convém sublinhar, má televisão. Manuel Marques e Eduardo Madeira são a dupla de humoristas numa escadaria de sketches forçados e narrativamente sem nexo desta "comédia" de mau gosto.

"As Vigaristas"

Daniel Antero: Com um argumento insípido e desinspirado, este "remake" de outro "remake" coloca Anne Hathaway como uma manequim de sotaque inglês irritante e Rebel Wilson como Rebel Wilson, em mais um filme com a Rebel Wilson. Juntas vulgarizaram a nossa inteligência e vigarizaram a nossa carteira.

"Quero-te Tanto"

Hugo Gomes: O promissor realizador de “Quinze Pontos de Alma”, Vicente Alves de Ó, aventura-se numa comédia romântica pop que funcionaria melhor no formato televisivo e em seriado … e mesmo assim. O filme não se leva a sério e não é somente o seu tom. Demasiado caricato, sem pingo de irreverência nos seus momentos de humor e preocupado em ser uma passadeira de vedetas com personagens unidimensionais e sem química. E já agora, em pleno 2019, ver Alexandra Lencastre encarnada numa vidente chinesa de nome Madame Ping Pong... a farsa não aguenta.

"Adeus, Professor"

Daniel Antero: Enquanto procuram recuperar o tempo perdido, Johnny Depp e a sua personagem estão envoltos numa névoa de desgraça, esfumando o talento num vácuo de clichés, rigidez formal e uma atitude demasiado displicente para ser verdade. Os nossos 90 minutos é que nunca mais voltarão.

"Midway"

Hugo Gomes: Muito poderia ser dito sobre o mais recente filme de Roland Emmerich (“Dia da Independência”), mas fiquemos com o arquétipo de documentário do Canal História, puramente tecnológico, excessivamente patriota e pior que isso, factos em vez de personagens. A guerra do Pacifico pós-Pearl Harbor encontra-se mal representada e mesmo assim encontra os seus adeptos. Um elenco bem composto (Patrick Wilson, Dennis Quaid, Woody Harrelson) lançado ao mar sem dó nem piedade.

"Domino – A Hora da Vingança"

Daniel Antero: O veterano realizador Brian De Palma regurgita o estilo que o tornou admirado, em dose amadora, aborrecida e frustrante. Um "Eurocop" em efeito dominó, que não aguenta nem as suas melhores pedras: Guy Pearce e Nikolaj Coster-Waldau nem vacilam, tombam logo.

"Aladdin"

Hugo Gomes: O clássico de muitas infâncias foi um das muitas vitimas da febre "live action" da Disney em 2019. O que acontece é que Guy Ritchie não teve mãos a medir numa AgraBah puramente artificial e os pontos repetitivos do enredo que nos auferem o sentimento de "copy and paste". Depois é só juntar um vilão risível e sem presença e claro, Will Smith azul, e voilá, temos facilitismo como sucesso. A Disney mais uma vez a instalar-se como predadora de memórias em vez de se concentrar na criação de novas e originais histórias.

"Segredos do Passado"

Daniel Antero: A teia deste argumento "noir" é tão intrincada que não tem ponta por onde se lhe pegue. Nem por nós, nem pelos três realizadores que a tentaram desembaraçar. Uma salganhada tão cansada como os seus atores: John Travolta, Morgan Freeman e Brendan Fraser.

"Yesterday"

Hugo Gomes: Danny Boyle convida-nos para uma distopia onde os Beatles nunca existiram e o aspirante a cantautor Jack Malik (Himesh Patel) é o único à face da Terra a lembrar-se dos êxitos da banda inglesa. Com isso apropria-se das canções e converte-se numa estrela mundialmente famosa do mundo da música. Tudo muito bem, a premissa prometia, não fosse os devaneios de Boyle ao lado do padrinho da comédia romântica por excelência Richard Curtis transformarem "Yesterday" num dramalhão piegas, infantilizado e ofensivo para o legado dos Beatles. Acrescentar que Ed Sheeran participa e é equiparado a um talento nato acima de outros. Enfim...

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