No que diz respeito aos slogans de filmes, este é épico: "Motherhood is a bitch". O que pode ser traduzido, numa aproximação benigna, a algo como "A maternidade é tramada".

No novo filme da realizadorra Marielle Heller, isto é, ao mesmo tempo, literal e figurativo.

"Nightbitch", que estreou no Festival Internacional de Cinema de Toronto (TIFF) na noite de sábado e ainda sem estreia anunciada em Portugal, tem Amy Adams como a protagonista: Mother [Mãe], uma artista que se torna uma dona de casa atormentada a tomar conta de uma criança barulhenta enquanto o seu marido está ausente em frequentes viagens de negócios.

À medida que fica cada vez mais isolada e sobrecarregada, a Mãe começa a ouvir coisas durante a noite e a desenvolver manchas de cabelo invulgares. Ela está... a transformar-se num cão a sério?

"Nightbitch"

Baseado no romance homónimo de Rachel Yoder de 2021, “Nightbitch” explora diferentes facetas da maternidade – a maravilha e a alegria, mas também a escuridão e a exaustão – usando doses iguais de comédia, drama e realismo mágico.

O filme certamente tocará milhões de mulheres que tiveram que fazer escolhas difíceis sobre paternidade, carreira e casamento – apenas para, às vezes, ficarem desiludidas e ressentidas.

“Não nos sentimos muito confortáveis ao falar sobre a raiva feminina”, disse Heller numa sessão de perguntas e respostas após a exibição do filme.

“Foi muito bom abordar esta experiência invisível pela qual muitas de nós passamos e torná-la mais visível”, notou.

Heller é uma veterana do festival, o maior da América do Norte, que oferece uma vitrina para filmes com aspirações aos Óscares e os que serão populares para o grande público, além das produções independentes e documentários oportunos.

Este filme pertence a Adams, 50 anos, seis vezes nomeada para as estatuetas douradas sem nunca ganhar, que afia os dentes no papel - trocadilho intencional - e pode muito bem estar no debate para os prémios por uma atuação corajosa e livre de constrangimentos.

Destemidamente, a atriz oferece monólogos internos sobre as frustrações e a monotonia entorpecedora de ser mãe, ferve quando outras crianças gritam numa biblioteca e patinha como um cão num dos seus passeios noturnos.

Para Adams, a paternidade é “uma experiência partilhada, mas, no entanto, não é partilhada. Portanto, é uma grande dádiva ser uma parte desta partilha como todos vocês”, disse na mesma sessão.

Scoot McNairy, que interpreta o marido da Mãe, ofereceu a sua maior lição da experiência: “Não sejam condescentes em relação à maternidade”.

Paraíso perdido

Sydney Sweeney, Daniel Bruehl, Ana de Armas e Jude Law em Toronto

Outro filme que também fez a sua estreia mundial em Toronto no sábado foi "Eden", do vencedor do Óscar Ron Howard, que regressa com um 'thriller' de sobrevivência ambientado nas ilhas Galápagos após a Primeira Guerra Mundial.

O filme, protagonizado por Jude Law e Sydney Sweeney, baseia-se na história real de um pequeno grupo de europeus que procuravam uma nova vida, longe dos horrores e das restrições da sociedade.

Law interpreta Friedrich Ritter, que foge para a Ilha Floreana com a sua parceira Dora (Vanessa Kirby) para aproveitar a solidão e escrever um manifesto.

Mas as suas cartas, recolhidas por barcos locais, são publicadas no continente, e outros seguem o seu exemplo até à ilha.

Chega um jovem casal alemão (Sweeney e Daniel Bruehl), seguido pela autodenominada baronesa Eloise (Ana de Armas), que tem uma comitiva e sonha em construir um hotel de luxo.

Embora o clima e o terreno sejam desafiadores, os maiores obstáculos a superar vêm da própria comunidade.

“Isto é o que essas pessoas viveram e simplesmente achei isso fascinante, e totalmente humano, e surpreendentemente relacionável com a existência humana hoje, com todas as suas fraquezas, todas as suas peculiaridades”, disse Howard numa sessão de perguntas e respostas após a estreia.

Sweeney disse que era “o sonho de qualquer ator” trabalhar com o cineasta de 70 anos, que ganhou o Óscar de Melhor Filme e Realização por “Uma Mente Brilhante” (2001).

Law disse que aproveitou a oportunidade de trabalhar com um elenco coletivo, observando: “Não aparecem com muita frequência”.

O festival decorre até 15 de setembro.