Os bastidores do teatro vistos pelo cinema têm dado azo aos mais diversos filmes, entre a comédia mais desbragada e o drama mais soturno. Alguns mais bem sucedidos, outros nem tanto, geraram apesar de tudo um cânone importante o suficiente para poderem ser considerados um sub-género na história do cinema.
A Academia de Ciências e Artes de Hollywood não tem fechado os olhos a isso e já premiou alguns dos mais conseguidos. Um deles,
«Eva» (1950), recebeu o número recorde de 14 nomeações, feito só igualado quase 50 anos depois por
«Titanic». Venceu seis incluindo o de Melhor Filme e é um clássico absoluto. Realizado por Joseph L.Mankiewicz, conta a história de uma grande estrela da Broadway (Bette Davis) que acolhe uma fã falsamente ingénua (Anne Baxter) na sua intimidade, que começa a ascender na profissão até lhe disputar o lugar.
As estatuetas douradas também premiaram com o troféu máximo
«A Paixão de Shakespeare» (1998), de John Madden, que ficcionava de forma inteligente o processo de escrita de «Romeu e Julieta» por William Shakespeare. Ronald Colman recebeu o troféu de Melhor Actor por
«Abraço Mortal» (1947), de George Cukor, em que intepreta um actor que se embrenha tantos nos papéis que começa a perder o controlo das suas acções ao interpretar Otelo.
Teatro em toada musical
Numa vertente mais musical, James Cagney também ganhou o Óscar no papel da multifacetada lenda da Broadway que foi George M. Cohan, em
«Canção Triunfal» (1942), pela batuta de Michael Curtiz. Também arrancado à história foi
«Topsy-Turvy» (1999), de Mike Leigh, que recria de forma opulenta a concepção da opera cómica «Mikado» pela dupla Gilbert e Sullivan.
A criação de peças musicais também deu azo a filmes importantes, desde o fundador
«Rua 42» (1933), de Lloyd Bacon, que colocou os numeros espectaculares de Busby Berkeley no inconsciente colectivo, até ao mais recente
«All that Jazz»(1979), em que o realizador e coreógrafo Bob Fosse ficiona a sua própria realidade e antecipa até a própria morte, passando por
«A Roda da Fortuna» (1953), de Vincente Minnelli, com o experiente Fred Astaire a protagonizar uma peça e a ter de lidar com uma dabnçarina da nova geração, Cyd Charisse.
No meio disto, o ballet também teve o seu filme de eleição,
«Sapatos Vermelhos» de Michael Powell e Emeric Pressburger, que actualiza de forma livre a fábula de Andersen sobre a mulher que não consegue parar de dançar. E os espectáculos de «music-hall» e cabaret tiveram representações excepcionais nos dois mais revolucionários musicais das últimas quatro décadas,
«Cabaret – Adeus Berlim» (1972), de Bob Fosse, e
«Moulin Rouge» (2001), de Baz Luhrmann.
Bastidores de todo o mundo
Claro que nem só o cinema anglo-saxónico reflectiu sobre as artes de palco. Da França, por exemplo, surgiu a incontornável trilogia de Jean Renoir composta pelos belíssimos
«A Comédia e a Vida» (1953),
«French Cancan» (1954) e
«Elena e os Homens» (1956), explosões de cor e de paixão pelo ambiente féerico e humano dos palcos. Aquele que é para muitos o melhor filme francês de sempre, o inesquecível
«Les Enfants du Paradis» (1945), de Marcel Carné, também foca os ambientes do teatro, numa história de amor entre a cortesã Garance (Arletty) e os quatro homens que a amam de maneira diversa, um deles um mimo. Mais recente,
«O Último Metro», de François Truffaut (1980) foca a experiência de um teatro judeu durante a ocupação nazi de França na Segunda Guerra Mundial, com o director do teatro escondido na cave.
Ingmar Bergman, na Suécia, tem o teatro subjacente a toda a sua obra, de forma mais ou menos evidente, nomeadamente no último filme em película que fez para estreia em cinema, o oscarizado
«Fanny e Alexandre» (1982) e ainda mais no telefilme
«Depois do Ensaio» (1984).
Do Japão, os exemplos também são vários e um dos melhores é
«Adeus, Minha Concubina» (1993), de Chen Kaige, sobre os amores de duas estrelas da ópera de Pequim e da mulher que se interpõem entre eles. Portugal, claro, também não deixou de reflectir o fenómeno no filme mais amado da sua história,
«O Pai Tirano» (1942), de António Lopes Ribeiro, com os ensaios conturbados de uma peça por um grupo de teatro amador.
Quatro experiências inesquecíveis
Também a rir, e muito, se fez a primeira experiência no cinema de Mel Brooks,
«O Falhado Amoroso»(1968), bizarro título português para uma das melhores comédias de sempre,
«The Producers», em que Zero Mostel e Gene Wilder tentam encenar a pior peça de todos os tempos para ganhar uma fortuna.
Um filme que não dá qualquer vontade de rir é o excelente
«O Comediante», de Tony Richardson, em que Laurence Olivier interpreta um actor de «music hall» na fase descendente da sua carreira, que dá o tudo por tudo para se manter na profissão, mesmo tendo já deitado a sua vida pessoal por água abaixo. Também na mesma linha de carreira em declínio está a obra-prima do melodrama que é
«Luzes da Ribalta», com Charlie Chaplin como o inolvidável Calvero, a querer recuperar as glórias humorísticas da juventude.
Já abertamente de terror é o importante
«Matar ou Não Matar - Eis a Questão», de Douglas Hickox, com Vincent Price no papel de um actor teatral que mata os críticos que disseram mal dele de forma sempre inspirada nas mortes das peças de Shakespeare.
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