No filme faz-se uma dramatização da memória, através de um conjunto de histórias passadas logo após o 25 de Abril, contadas por portugueses e estrangeiros que as viveram, ou que passaram por situações semelhantes, mas assumindo a idade que têm hoje.
“Mais do que fazer entrevistas a estas pessoas ou elas contarem as histórias como se estivessem no passado, a ideia era elas, tendo a idade que têm, começarem por dizer ao espectador que têm 20 e tal anos, que estão a viver novamente o 25 de Abril”, explicou José Filipe Costa, em entrevista à agência Lusa.
Em “Prazer, Camaradas!”, as personagens estão a “dramatizar a memória, que está sempre em transformação e surge com as histórias e só assim as pessoas podiam dar vida às histórias, interagir”.
Como “é impossível reviver totalmente os períodos do passado”, os intervenientes acabam por criar “quadros dramáticos” que passam ao espectador a ideia de como se vivia nas cooperativas e nas aldeias portuguesas naquele período.
A construção do filme “foi um processo longo, que durou bastante tempo”. As histórias que lhe dão origem, o realizador foi encontrá-las “nuns relatos, que formavam dossiers, reproduzidos e registados por um casal de alfabetizadores que tinha estado numa das cooperativas, que fala destas histórias”.
Esses relatos dão, “em traços, mais e menos detalhados, a vivência nas cooperativas e a vivência nas aldeias, porque estas pessoas que vinham do estrangeiro estavam interessadas também em perceber como viviam as pessoas nas aldeias”.
Havia interesse por parte dos estrangeiros que se mudaram naquela altura para Portugal em perceber, por exemplo, “como eram as relações homens/mulheres, a intimidade, os abortos”.
“Eram como etnólogos que vinham para um campo de pesquisa, não vinham só trabalhar naquelas cooperativas, mas vinham também registar e ouvir, porque achavam muito importante ouvir e compreender quem eram as pessoas com quem estavam a relacionar-se”, contou.
Por vezes, juntavam-se pessoas “de mundos muito diferentes -- estrangeiros que vinham da Alemanha, como médicos, e analfabetos [locais] - a conviver no mesmo espaço e dentro do mesmo projeto cooperativo".
O realizador tentou não se focar numa determinada comunidade ou aldeia, construindo o filme “a partir de vários testemunhos e histórias que tinha ouvido, de várias quintas que tinham sido ocupadas: Quinta da Ameixoeira, Quinta da Marquesa, Comuna de Aveiras, Torre Bela”.
“As histórias são muito semelhantes e as relações que se estabeleceram entre estrangeiros e portugueses acabam por, de alguma maneira, ser semelhantes. As tensões, os encontros, a maneira de se conhecerem uns aos outros são muito semelhantes nestes espaços todos”, disse.
“Prazer, camaradas” ao mostrar histórias “é mais uma chamada de atenção para o que falta ainda estudar e investigar nestas comunidades, nestas cooperativas”.
“Algumas ficaram muito conhecidas, mas outras não, e há material para ser estudado, há muitíssimo que falta contar”, referiu o realizador, partilhando que enquanto pesquisava pensou que seria interessante ter um historiador consigo.
Em “Prazer, Camaradas!”, José Filipe Costa estava “a fazer algo mais ficcional, não podia estar a contar a formação” das cooperativas e comunas, por isso “todo esse material fica por divulgar, estudar, explorar”.
O 72.º festival de cinema de Locarno realiza-se de quarta-feira a 17 de agosto, naquela cidade suíça, exibindo 50 curtas-metragens e 29 longas-metragens, em quatro secções competitivas, para além dos visionamentos na Piazza Grande, onde cabem mais de 8.000 espectadores.
Além de “Prazer, Camaradas!”, que será exibido fora de competição, estão na programação do festival os novos filmes dos realizadores portugueses Basil da Cunha, “O Fim do Mundo”, João Nicolau, “Technoboss”, e Pedro Costa, “Vitalina Varela”, em competição.
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