Correu mal a deslocação à Suíça do realizador
Roman Polanski para receber um prémio honorário no Festival de Cinema de Zurique. À chegada ao aeroporto no último Sábado, o cineasta, oscarizado pelo filme
«O Pianista», foi aprisionado pelas autoridades do país, segundo comunicaria mais tarde à imprensa a organização do certame. O realizador enfrenta agora a séria possibilidade de ser extraditado para os EUA, de onde fugiu em 1978 para não ser sujeito à pena de prisão que lhe foi aplicada pela acusação de ter relações sexuais com uma jovem de 13 anos, de que ele se declarou culpado.

As autoridades suíças aguardam um «pedido oficial dos Estados Unidos para extraditar» Polanski, indicou no domingo último à Agência France Press (AFP) uma porta-voz do Ministério suíço da Justiça. Entretanto, o realizador ficará em «prisão provisória à espera de extradição», embora possa apelar da decisão em várias instâncias, segundo indicou um porta-voz do Ministério suíço da Justiça, que confirmou que «as autoridades norte-americanas fizeram um pedido de busca internacional em 2005 ligado a uma ordem de detenção de 1978».

Segundo o porta-voz, o realizador «foi detido quando entrava» em território suíço, que tem um acordo de extradição com os EUA que data da década de 50, mas recusou-se a dar detalhes sobre a detenção e o local em que foi efectuada. Sublinhou, porém, que as autoridades suíças «devem verificar agora se Polanski pode ser extraditado efectivamente», o que pode levar vários dias.

Devido à sua detenção, os organizadores do festival adiaram a entrega do prémio pelo conjunto da sua carreira, que Polanski deveria receber neste domingo. A Associação Suíça de Realizadores já criticou as autoridades do país pelo que considerou não só uma «farsa grotesca da justiça como também um imenso escandalo cultural».

Em Paris, o ministro francês da Cultura,
Fréderic Mitterrand, declarou-se «estupefacto» com a detenção de Polanski, e lembrou que o cineasta é um cidadão francês. Mitterrand afirmou que abordou o tema com o presidente «
Nicolas Sarkozy, que acompanha o assunto com a maior atenção e partilha o desejo (...) de uma solução rápida».

A acção a que se reporta o motivo da detenção de Roman Polanski, hoje com 76 anos, reporta-se a 1977, quando o realizador foi detido em Los Angeles devido a uma acção judicial apresentada pelos pais de uma adolescente de 13 anos, Samantha Gailey. Polanski terá seduzido a jovem na casa de
Jack Nicholson, na sequência de uma sessão fotográfica com a menor para a edição francesa da Vogue, durante a qual terá mantido relações sexuais com ela. Na época, declarou-se culpado de «relações sexuais ilegais», foi condenado a uma avaliação psiquiátrica de 90 dias numa prisão para ditar a sua eventual condenação, mas fugiu entretanto para a França, país onde mantém cidadania e que se recusou sempre a extraditar o realizador para os EUA.

Desde então, Polanski prosseguiu carreira na Europa e tem viajado essencialmente para países onde o risco de extraditação para os EUA é improvável, como a Alemanha, a República Checa e a Polónia.

Entretanto, em 2003, a vítima Samantha Gailey, entretanto com o apelido alterado para Geimer, deu uma entrevista em que recordava o sucedido mas em que pedia aos tribunais norte-americanos para deixarem cair o caso: «Não há dúvida que o que ele me fez foi errado. Mas desejo que ele pudesse voltar à América para que todo este doloroso processo possa acabar para todos nós», acrescentando que «estou certa de que se ele pudesse regressar, não voltaria a fazer o que fez. Ele cometeu um erro terrível mas já pagou por ele».

Apesar da ascendência polaca, Roman Polanski nasceu na França em 1933 mas foi viver com os pais para a Polónia três anos depois. Após a invasão do país pelos nazis, a família foi atirada para o gueto de Cracóvia, de onde o futuro realizador fugiu em 1943, um ano após a morte da mãe no campo de concentração de Auschwitz.

Após a guerra, Polanski prosseguiu a sua vida na Polónia, onde se tornou um dos principais nomes do cinema do país após o sucesso da sua primeira longa-metragem,
«A Faca na Água» (1962). Pouco depois, deixou o espartilho do regime comunista e partiu para a França e depois para Inglaterra, onde teve logo um enorme sucesso com
«Repulsa» (1965), protagonizado por Catherine Deneuve, e
«Por Favor, Não Me Mordam o Pescoço» (1967), com a sua futura esposa
Sharon Tate.

Rumou depois para Hollywood, onde teve também um enorme êxito logo ao primeiro filme,
«A Semente do Diabo» (1968), que prosseguiria com
«Chinatown» (1973). Em 1969, a tragédia bateu-lhe à porta quando sua esposa Sharon Tate foi barbaramente assassinada por Charles Manson, num crime que deixou a América em estado de choque.

Após o escândalo sexual de 1977, Polanski continuou uma sólida carreira na Europa, com filmes como
«Tess» (1979),
«Frenético» (1988) e
«Lua de Mel, Lua de Fel» (1992), que atingiu o ponto alto em 2002 com o filme
«O Pianista», que venceu a Palma de Ouro em Cannes e lhe valeu o Óscar de Melhor Realizador, que não pode ir aos EUA recolher.

Actualmente o cineasta estava a ultimar o filme
«The Ghost», com
Pierce Brosnan e
Ewan McGregor.

SAPO/AFP