O novo filme “Império da Luz”, o primeiro de Sam Mendes desde o oscarizado “1917”, mostra o escuro da sala de cinema como um escape e é inspirado na sua experiência pessoal, disse o realizador em conferência de imprensa.

“Cresci sozinho com a minha mãe e muito deste filme baseia-se nessas memórias de crescer sendo filho único com apenas a progenitora, que lidava com uma doença mental”, afirmou Sam Mendes. “Muito do que eu passei com ela reflete-se na jornada da personagem Hilary no filme”.

Hilary Small é interpretada por Olivia Colman, num desempenho que está a ser aplaudido pela crítica e conta a história de uma mulher que trabalha num cinema nos anos oitenta e se apaixona por um homem mais novo, Stephen (Micheal Ward).

“Para mim, como uma criança que cresceu num ambiente instável, a arte era um escape, de uma forma que as pessoas hoje nem sequer podem compreender”, descreveu Sam Mendes. “Não havia filmes na televisão, era preciso ir ao cinema para ver um filme. Era um escape para uma parte inteiramente diferente de nós”.

A “coleção de excêntricos” que se junta no cinema ficcional de “Império da Luz”, disse Mendes, é muito parecida com as que se juntavam nas salas onde ele trabalhou. Eram, de certa forma, famílias de marginalizados que encontraram um lar nesses sítios.

“Tentei colocar isso no filme, pô-lo na boca do Stephen, que diz – com o fervor e a paixão de alguém que acabou de o descobrir – que devemos ir sentar-nos no escuro com pessoas que não sabem como somos, que não conseguem ver-nos, e aquele foco de luz é um escape”.

A ação situa-se no sul de Inglaterra em inícios da década de oitenta, nos anos-chave do governo conservador de Margaret Thatcher, marcados pelo lançamento de políticas neoliberais e o combate aos sindicatos, com a desregulamentação de setores e a diminuição de investimento na área social, decorrendo num contexto de caos social, com uma relação amorosa que desafia as convenções da época.

“Há duas crises no filme: a crise interior de Hilary, e o caos que se passa nela é refletido no caos político que engolfa o mundo. A luta externa é contra a injustiça social, o desemprego e terríveis políticas raciais”, disse Mendes.

A atriz Olivia Colman aceitou o papel antes de ler o guião e quando o fez ficou maravilhada.

“A Hilary é um tipo de personagem que eu ainda não tinha representado, algo que foi assustador e por isso entusiasmante”, afirmou na conferência de imprensa de apresentação do filme. “Interpretar uma mulher da minha idade que está a ter um romance com um homem mais novo era a parte mais aterradora do filme. Fiquei muito lisonjeada por ter sido escolhida”.

Colman, premiada com o Óscar de Melhor Atriz em 2019, sublinhou a importância da mensagem do filme. “As barreiras que as outras pessoas levantam não importam, a idade, a cor da pele”, frisou. “O que aconteceu nos anos oitenta estava errado. Sinto-me afortunada por fazer parte desta história que fala de problemas de saúde mental, de cuidarmos uns dos outros”.

A complexidade da personagem foi inspirada pela mãe de Sam Mendes, disse o realizador.

“Este filme, no seu âmago, é sobre a doença mental de Hilary. As pessoas falam de isto ser uma celebração do cinema, mas não foi por isso que escrevi o filme”, clarificou o cineasta britânico.

“Não decidi escrever um filme sobre o que o cinema pode fazer”, continuou. “É sobre como alguém se pode sentir quebrado ou marginalizado, como a Hilary e o Stephen são, por razões diferentes, e como os filmes e a música podem ajudar a consertá-los”.

Mendes também falou da pandemia de COVID-19, que encerrou as salas de cinema e quase paralisou a indústria, e de como o ritual de se sentar naquela experiência coletiva continua a ser inigualável.

“Ainda sou puxado para o cinema, apesar da disponibilidade de filmes no 'streaming'”, referiu. “Ainda quero voltar para o escuro e sentar-me com estranhos. Preenche uma grande necessidade dos seres humanos, de histórias e de um escape para mundos imaginários”.

Mendes espera que o gosto pela experiência do cinema regresse depois da pandemia e disse ter pena que as novas gerações não tenham o mesmo nível de nostalgia das anteriores. “Não apenas em relação aos sítios, mas também às coisas que vemos nos cinemas, o cubículo de projeção, a concessão [de pipocas]”.

A atriz Tanya Moodie, que interpreta Delia, lembrou que na década em que cresceu era possível fumar na sala de cinema e o escuro permitia a adolescentes rebeldes explorarem os seus sentidos.

“Era o sítio onde se beijava, fumava, cantava. Sentíamos uma sensação de liberdade no escuro, além de vermos estas histórias no grande ecrã”.

“Império da Luz” estreia-se a 9 de dezembro nos Estados Unidos, podendo ser um dos candidatos à temporada de prémios, e deve chegar a Portugal a 23 de fevereiro de 2023.

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