O filme "Sinónimos", do israelita Nadav Lapid, prémio máximo do Festival de Berlim, em fevereiro, impõe reflexão sobre Israel e a cultura bélica do país, expõe preconceitos da sociedade francesa e chega quinta-feira às salas portuguesas de cinema.
"Sinónimos" fala de um jovem adulto israelita, Yoav, que abandona o país de origem depois de cumprir o serviço militar obrigatório, determinado em não regressar a casa nem em falar hebraico. Fixa-se em França, onde é de imediato roubado. Ajudado por um casal, compra um dicionário, onde procura palavras - sinónimos - com o objetivo de adotar a nova língua.
“Mudei-me para França para fugir de Israel”, diz o protagonista, numa das primeiras sequências do filme, usando expressões como "abominável", "repugnante", "lamentável", "detestável" e "vulgar", para falar do seu país e da sua política de defesa.
A atitude tem paralelo no próprio realizador, que se fixou na capital francesa depois de ter terminado o serviço militar em Israel: "A minha relação [com o meu país] é a daqueles cães que mordem a mão de quem os alimenta", disse à imprensa, quando conquistou o Urso de Ouro de melhor filme e o Prémio da Crítica do Festival de Berlim, no passado mês de fevereiro.
Yoav, porém, é uma personagem e o seu "exílio" permite ao realizador e argumentista expor a sua visão dos dois países.
Um 'flashback' recupera o treino militar do protagonista, em que o oficial elogia o "gatilho sensível" das metralhadoras e o objetivo de disparar contra alvos humanos, tendo em mente o ritmo de músicas 'pop', enquanto se ouve o verso "je veux seulement l'oublier" do tema “Sympathique”, pelos Pink Martini.
França é também desafiada pelo realizador. Numa aula para estrangeiros, entre outros elementos, é explicado como a força do galo, o seu canto e o hábito de se levantar cedo fazem dele o símbolo de França.
Num outro momento, os versos mais sanguinários da "Marselhesa" são cantados por uma aluna desafinada, e o hino de Israel é entoado como um insulto a passageiros do metro, em Paris.
“Tenho uma estética que aborda os temas de modo frontal, direto ou, como se usa dizer, cru. Não estou na maré das representações tradicionais", disse Lapid ao 'site' C7nema, aquando da vitória em Berlim.
Para Ioav, o dicionário de hebraico-francês é uma referência constante, assim como a evocação de Heitor, o herói da Guerra de Tróia derrotado por Aquiles.
Ioav é interpretado por Tom Mercier, jovem ator israelita que teve um irmão mobilizado.
"Ele viu o filme sob o ponto de vista de um soldado traumatizado", disse o ator ao jornal israelita Haaretz, em março.
"Uma das coisas mais fortes que ele me disse", prosseguiu Mercier, referindo-se ao irmão, "é que quase todos os soldados são assaltados [muitas vezes] por pensamentos do tipo: 'Se não tivesse nascido neste país' ou 'Se tivesse ido viajar [em vez de ser mobilizado] ...' Isto marcou-me, porque [o meu irmão] lutou pelo país, regressou com pesadelos e vive com eles".
"Sinónimos" é a terceira longa-metragem de Nadav Lapid e foi o filme de encerramento do festival IndieLisboa, no domingo.
Lapid estreou-se nas longas-metragens com "Polícia", prémio especial do júri em Locarno, em 2011, sobre um elemento de uma unidade antiterrorista, confrontado com a necessidade de mudança em Israel.
Seguiu-se "O Professor no Jardim Escola", exibido no Lisbon & Estoril Film Festival, em 2014, que a indústria norte-americana adaptou para "A Educadora de Infância", filme estreado este ano.
Nascido em 1975, Nadav Lapid estudou Filosofia em Telavive, cidade natal, Literatura, em Paris, e cinema, em Jerusalém.
Entre os seus filmes contam-se as curtas-metragens "Emile's Girlfriend", "Road" e "Mahumud Works In The Industry", apresentadas em festivais como Cannes, Berlim e Locarno.
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