Stan Lee morreu hoje, aos 95 anos, confirmou o advogado da sua filha à Variety.

A lenda da Marvel deu entrada no Centro Médico Cedars-Sinai em Los Angeles esta segunda-feira de emergência e o seu óbito foi declarado pouco depois.

"O meu pai amou todos os seus fãs. Foi o maior e mais decente dos homens", disse a filha do criador da Marvel, Joan Celia Lee, à publicação 'online' TMZ, numa reação à morte, citada pela agência espanhola de notícias, Efe.

Fragilizado por vários problemas de saúde, o próprio revelou em vídeo a 28 de fevereiro que estava a lutar contra uma pneumonia.

No início desse mês, também chegou a estar hospitalizado com falta de ar e batimentos cardíacos irregulares, tendo nessa altura tranquilizado os fãs e chegado a brincar com o facto de ter conseguido muita publicidade com a ida ao hospital.

Stan Lee era uma figura lendária na BD norte-americana, o símbolo máximo das histórias de super-heróis, que co-criou um modelo que subsiste até aos dias de hoje.

Na última década e meia, tornou-se também uma figura muito popular pelos “cameos” nos filmes do género, mesmo entre pessoas que nunca leram qualquer uma das histórias que escreveu.

Esse estatuto reforçou-se ainda mais quando a Marvel se lançou diretamente na produção de filmes a partir de 2008 com "Homem de Ferro" e se tornou uma das maiores máquinas de Hollywood, levando a Disney a comprá-la logo no ano a seguir num negócio bilionário.

Em reação à sua morte, a Marvel fez uma pausa para recordar e refletir sobre o homem que tornou tudo isso possível.

A origem de um império

Nascido em Nova Iorque, em dezembro de 1922, numa família de imigrantes romenos, Stan Lee - Stanley Martin Lieber - começou a trabalhar aos 16 anos na Timely Comics (que décadas depois se tornaria a Marvel Comics), pouco antes de este grupo de publicações de 'pulp fiction' lançar o primeiro número da Marvel, em outubro de 1939, e foi evoluindo na empresa primeiro para a posição de argumentista e mais tarde de editor.

'Westerns', policiais, romances negros, géneros que se afirmaram nos anos de 1929/30, no cinema e na literatura popular norte-americana, constituíram a inspiração de Lee.

Entre as suas primeiras personagens estavam Blonde Phantom, Jack Frost, The Witness, Destroyer. Na altura, trabalhava por cerca de 50 cêntimos por página e adotou Stan Lee, por assinatura, recorda a Associated Press.

Após uma aposta forte nos comic-books de super-heróis, durante a Segunda Guerra Mundial, com o Capitão América como personagem principal, a companhia transitou nos anos 50 para os westerns, o humor e os romances, com Lee a mostrar-se profícuo como escriba em todos os géneros.

Ainda durante a Segunda Guerra Mundial, trabalhou na comunicação do Exército e durante a década de 1950 foi ao Senado defender a banda desenhada perante a recém-criada Comics Code Authority, que desaprovava a violência e as personagens que questionavam a autoridade.

A sua coroa de glória chegou no arranque dos anos 60, quando voltou a apostar a sério na BD de super-heróis, mas introduzindo um novo conceito: e se em vez das figuras titulares serem perfeitas e imaculadas, fossem afinal tão humanas e cheias de angústias, dúvidas e defeitos como os leitores?

E se essas histórias, com tanto de épico espacial como de "soap-opera" do dia a dia, evoluíssem cronologicamente em vez de serem sempre fechadas e se tudo funcionasse num universo integrado, em que as personagens surgiam nas histórias umas das outras?

Com essa premissa, Lee co-criou, só na primeira metade da década de 60, a maioria dos super-heróis que fariam história na Marvel Comics.

Em parceria com o virtuoso Jack Kirby, nasceram os Fantastic Four, Hulk, Thor, Homem de Ferro, X-Men e Vingadores, com Steve Ditko o Homem-Aranha e o Dr. Estranho, e com Bill Everett o Demolidor, tudo personagens que ainda hoje compõem a espinha dorsal do universo Marvel.

A reboque, aproveitou ainda para abordar temas como o racismo, a discriminação ou a toxicodependência, criando os primeiros super-heróis negros do "mainstream" do género e até afrontando o "Comics Code", o sistema de regulação de conteúdos dos comic-books que, na prática, funcionava com censor para toda a indústria.

O método de trabalho de Lee enquanto argumentista, que se tornou conhecido como “The Marvel Method”, ainda hoje gera desentendimentos sobre o real papel de cada colaborador no produto final: após uma discussão com o desenhador sobre o conteúdo de cada história, Lee escrevia uma sinopse da mesma, que o desenhador depois planificava como bem entendia cabendo no fim ao primeiro a tarefa de criar os textos nos balões e as legendas finais.

Como editor, Stan tornou-se rapidamente uma figura popular entre os leitores, assinado as respostas às cartas dos leitores, a que tratava por “true believers”, e uma coluna mensal, que terminava invariavelmente assinando “Excelsior”, que se tornou a sua imagem de marca.

Ao longo da década de 60, o sucesso dos super-heróis da editora não parou de crescer, ultrapassando o publico habitual do género e conquistando os estudantes universitários.

A figura tutelar da BD tornou-se uma celebridade

A partir de 1972, Lee deixou de escrever regularmente para se dedicar à tarefa de editor e a partir da década de 80 mudou-se de Nova Iorque para Los Angeles, com o objetivo de tentar lançar os heróis Marvel no cinema e na televisão.

Hulk chegou à CBS, seguindo-se o Homem Aranha, quer com figuras de "carne e osso", como em séries de animação. Era apenas a primeira etapa do sucesso dos seus heróis, no cinema e na televisão.

Apesar dessas tentativas terem sido quase sempre infrutíferas ou de resultados modestos, a popularidade continuou sempre a aumentar, principalmente nas convenções de fãs, onde era considerado quase um deus, e onde tinha uma capacidade ímpar de gerar empatia em quem o ouvia, tal era o entusiasmo contagiante com que sempre falava.

No século XXI, a partir do sucesso planetário dos filmes “X-Men” e “Homem-Aranha” ter comprovado que a Marvel no cinema era uma possibilidade, Lee foi-se tornando uma figura cada vez mais popular.

Com as fitas baseadas nas BDs da Marvel a serem as mais populares no mercado de cinema (algo que há duas décadas ninguém julgaria possível), as curtas aparições que fazia em cada uma delas tornaram-se momentos sempre muito ansiados pelos espectadores.

Elas contribuíram para fazer dele uma celebridade mundial, mesmo junto de uma larga maioria de pessoas que nunca leram uma BD de sua autoria mas continuam a seguir os heróis que ele co-criou, tanto no cinema, como na televisão ou nas páginas de BD.

Numa entrevista de 2006 à AP, o criador afirmou que “toda a gente adora coisas maiores do que a vida”.

“Eu penso nelas como contos de fadas para adultos (...). Criei tantos [heróis] que nem os conheço. Escrevi centenas, milhares de histórias", disse na entrevista, que recorda a "contribuição decisiva" de Lee, com todos os super-heróis que criou.

"Era como se houvesse algo no ar. Não podia fazer nada de errado", lembrou Stan Lee à agência norte-americana.

Algumas das suas criações tornaram-se símbolos da mudança social - o conflito interno do Homem Aranha não era alheio aos confrontos em curso nos Estados Unidos, nos anos de 1960 -, defende a AP, enquanto as minorias e o movimento feminista encontravam eco em personagens como A Pantera Negra e The Savage She-Hulk.

Publicou ainda os livros "The Superhero Women" e "How to Draw Comics the Marvel Way".

"O que fiz, foi tentar escrever histórias que gostaria de ler e, de um modo ou outro, funcionou", disse Stan Lee em 2017, durante uma homenagem de que foi alvo, em Los Angeles.

Os últimos anos

Paralelamente, a nível pessoal, os últimos anos foram mais tumultuosos.

Além de perder em julho de 2017 a esposa com quem esteve casado 69 anos, decidiu processar por fraude a empresa POW!, da qual ele foi um dos fundadores, em mil milhões de dólares, alegando que esta se tentou aproveitar da sua idade. Algumas semanas mais tarde, deixou cair abruptamente o processo.

Decidiu ainda processar o antigo gestor dos seus negócios e um massagista também foi para os tribunais acusando-o de agressão, o que Stan Lee negou.

Com uma fortuna pessoal avaliada em 70 milhões de dólares, foi revelado em junho deste ano que a polícia de Los Angeles estava a investigar relatos de violência contra idosos envolvendo membros da sua família.

As reações dos super-heróis

Alguns dos atores que atingiram o estatuto de mega-estrelas graças aos filmes da Marvel também estão a prestar homenagem.

Robert Downey Jr., que ultrapassou vários problemas de dependência de drogas para se tornar, graças à interpretação carismática de Tony Stark e Homem de Ferro, a primeira e ainda maior estrela do Universo Cinematográfico da Marvel, foi sintético e certeiro ao recordar que lhe devia tudo na carreira.

Hugh Jackman, o primeiro ator que, como Wolverine, viu a carreira disparar ao sucesso da primeira grande adaptação de sucesso da BD para o cinema que foi "X-Men" (2000), escreveu que "perdemos um génio criativo. Stan Lee foi uma força pioneira no universo dos super-heróis. Tenho orgulho de ter sido uma pequena parte do seu legado e... ter ajudado a trazer uma das suas personagens à vida."

Chris Evans, o Capitão América, também destacou o caráter pioneiro, escrevendo que "nunca haverá outro Stan Lee" e que, "durante décadas, ele proporcionou aventura, escapismo, conforto, confiança, inspiração, força, amizade e alegria tanto a novos e velhos", concluindo que "exalava amor e bondade e deixará uma marca indelével em tantas, tantas vidas. Excelsior!".

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