Um novo filme sobre Vincent Van Gogh trabalha com a hipótese de que o artista foi assassinado e não se suicidou.

A antestreia mundial de "At Eternity's Gate", com Willem Dafoe como o génio torturado, foi esta segunda-feira no festival de cinema de Veneza.

Nele o pintor é baleado após uma luta com jovens perto da aldeia de Auvers-sur-Oise, nos arredores de Paris, onde o artista passou os seus últimos meses em 1890.

Ele morreu 36 horas depois de cambalear de regresso à pousada local à noite.

A equipa de "At Eternity's Gate": Anne Consigny, Mads Mikkelsen, Lolita Chammah, Jean-Claude Carrière (argumentista), Julian Schnabel (realizador), Vladimir Consigny, Willem Dafoe e Emmanuelle Seigner.

Enquanto a maioria dos historiadores concorda que Van Gogh se matou, o renomado pintor e realizador  nomeado para o Óscar Julian Schnabel alimenta no filme a teoria de que ele foi morto.

Com 86 anos, o lendário argumentista francês Jean-Claude Carrière - que coescreveu o argumento com Schnabel - disse à AFP que "não há absolutamente nenhuma prova de que ele se tenha matado. Acredito que Van Gogh se matou? Absolutamente não!".

"Ele voltou para a pousada com uma bala no estômago e ninguém alguma vez encontrou a arma ou os seus materiais de pintura", acrescentou.

"Temos lutado contra a sombria lenda romântica de Van Gogh. No último período da sua vida, Van Gogh estava constantemente a trabalhar. Todos os dias ele fazia um novo trabalho", recordou.

As suas últimas semanas, quando pintou o "Retrato de Dr. Gachet" - que bateu um recorde mundial quando foi vendido por 82,5 milhões de dólares [77 milhões de euros] em 1990 - não foram "nem um pouco tristes", argumentou o escritor.

Não suicida

Julian Schnabel insistiu em que era improvável que um homem que pintou 75 quadros nos seus 80 dias em Auvers-sur-Oise fosse um suicida.

A teoria de que Van Gogh não cometeu suicídio foi levantada pela primeira vez numa biografia de 2011 do pintor escrita por Steven Naifeh e Gregory White Smith.

Schnabel disse que nem a arma nem "o material de pintura que ele tinha naquele dia foram encontrados. É estranho enterrar a sua m**** se você está a cometer suicídio".

"At Eternity's Gate" também deve abrir uma nova frente na discussão relativa ao caderno de esboços "perdido" de Van Gogh, que supostamente ressurgiu após 126 anos, em 2016, e foi autenticado por dois eminentes historiadores de arte no ano passado.

O veterano especialista britânico Ronald Pickvance afirmou que o livro foi "a descoberta mais revolucionária da história dos estudos de Van Gogh".

Mas o Museu Van Gogh, em Amesterdão, contesta a sua origem e afirma que os desenhos são falsificados.

O livro, originalmente um livro de contabilidade do Café de la Gare em Arles, onde Van Gogh se hospedou em vários momentos entre 1888 e 1890, aparece proeminentemente no filme.

Schnabel e sua equipa examinaram os desenhos, e o realizador pressionou a mão de Willen Dafoe para dentro deles, disse o ator à AFP, para "forçar uma transmissão - uma ligação entre mim e Van Gogh".

Isso claramente funcionou, já que Defoe surge cotado para arrrecadar o prémio de melhor ator em Veneza.

"Toda a história é uma mentira"

O ator disse que ao rodar "At Eternity's Gate" nos campos em torno de Arles, onde o artista pintou e no asilo em Saint-Remy, "nós namoriscámos com o fantasma de Van Gogh".

Schnabel disse que o filme não pretende ser uma obra biográfica factual, porque "toda a história é uma mentira".

"Não me importo se o caderno é real ou não, se ele se matou ou não. É irrelevante. Mas no filme é bom saber que existe outro conjunto de possibilidades", acrescentou.

O filme também era uma oportunidade para "eu dizer coisas sobre pintura [...], e foi muito divertido falar através de Van Gogh".

O realizador também queria corrigir a má reputação que o pintor e amigo de Van Gogh Paul Gauguin obteve da história.

Van Gogh pode ter cortado a própria orelha quando o pintor anunciou que o deixaria para voltar a Paris, mas "Gauguin realmente se importava com ele", garantiu Schnabel.

"Ele é retratado normalmente como um idiota. Anthony Quinn [no filme de 1956 "A Vida Apaixonada de Van Gogh"] interpretou-o assim [e ganhou o Óscar], mas ele não era", explicou.