Realizado pelo chileno Pablo Larraín, “Jackie” é um olhar fascinado pela figura de Jacqueline Bouvier Kennedy, pela sua postura, classe, dicção perfeita e a elegância que definiu a moda… por todos estes artifícios que absorveram a mulher reservada, levada ao limite pela política e a procura de sua identidade… pela angústia e dor na morte do marido, John F. Kennedy.

O filme narra os dias seguintes ao assassinato do presidente norte-americano, através de uma entrevista de Jackie dada a um jornalista, que procura obter o seu olhar sobre o momento do assassinato. Cedo, Jackie avisa o jornalista que irá editar a conversa. E este é o ponto de partida para Larraín, que fragmenta a narrativa de forma emotiva, explanando a vontade de Jackie em olvidar a verdade em favor de estabelecer o mito.

Intercalando esta conversa com cenas em que vemos Jackie amparando os seus filhos, abandonando a sua casa e planeando o funeral do marido, vivemos ora a memória de Jackie, que compondo a sua voz, dá-nos a ouvir o que decide que nos é permitido ouvir… ora o olhar íntimo do realizador, que explorando a diferença entre a verdade e o que se acredita ser verdadeiro, desloca a narrativa pelas várias alas da Casa Branca, fluindo o discurso e as emoções, procurando marcar nas paredes da casa do povo americano, o legado que Jackie tanto procurou para o seu marido… e para si. Temos mesmo uma metáfora em “Camelot”, peça que Kennedy e Jackie adoram e esta canta e toma como exemplo, procurando não deixar que o reinado do seu Rei Artur desabe, mostrando ao mundo que a sua vida era um conto de fadas.

Com recurso a imagens da transmissão televisiva do funeral de John F. Kennedy, introduzindo-as em televisores vistos pelas personagens, ou editando-as com as cenas ficcionadas, o realizador procura cravar o filme de gravidade e de suposta autenticidade, lembrando que só vemos o que nos é permitido ver. Explorando os eventos com a cronologia aleatória de uma lembrança traumática, num enleado de angústia e tristeza, vemos a virtude de Natalie Portman ligar todos estes momentos, com uma representação por vezes de grande agonia e fragilidade, por outras com carácter austero e decidido, como nos momentos em que fulmina o jornalista com o olhar, impondo que aquilo que acabou de dizer não será reproduzido.

Mais do que um biopic, Jackie é um retrato íntimo de um dos dias mais negros desta mulher, que assistiu ao estilhaçar do seu marido e o segurou sem vida nos braços...e agora vive pairando “perdendo o sentido algures do que era real ou somente uma performance”.

Autor: Daniel Antero.

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