A HISTÓRIA: Bruno e Malik vivem num mundo diferente durante 20 anos: o mundo das crianças e dos adolescentes autistas. Responsáveis por duas organizações sem fins lucrativos, eles proporcionam formação a jovens de zonas desfavorecidas para que estes possam ser cuidadores em casos extremos recusados por todas as outras instituições.


A mesma dupla que nos trouxe o fenómeno de público de requinte francófono que foi "Amigos Improváveis" e o não tão bem-sucedido "Samba", opera novamente na comédia social, sob os signos de marginais para cometer, possivelmente, o seu maior ato de "bravura".

"Especiais" centra-se como um filme de denúncia enquanto compõe um quadro de realismo encenado e altamente citadino. Esse alarme, trazido por Eric Toledano e Olivier Nakache através dos "alter-egos" dos atores Vincent Cassel e Reda Kateb, funciona como um conflito fílmico que integra as jornadas já vividas por estes cineastas.

Ao contrário de muitos congéneres norte-americanos, que não separam dos seus propósitos o moralismo e imbatível fé religiosa (perpetuando a ligação destas "associações" com a cruzada religiosa/cristã), "Especiais" percorre a escadaria de desenvolvimento ou transformação pessoal, apenas emitindo esse “algoritmo” nos seus subenredos, com direito às suas iminentes epifanias.

Porque até lá, Cassel e Kateb (dupla quimicamente prestável se possuísse mais tempo de antena) vagueiam pelo quotidiano como objetores de consciência, colocando em confronto burocracia e ética e sobretudo, a solidariedade atrés do simples ato de cooperação.

Na personagem de Cassel notamos essas “feridas sociais”, numa personagem que lida diariamente com a marginalidade. Em certos momentos, apercebemo-nos do contágio, da sua vocação pela "causa" e, consequentemente, a sua patológica incapacidade de lidar com a “normalização” do dia-a-dia (representada no recorrente "gag" dos encontros amorosos falhados).

Mas é também através do ator, talvez propositadamente em pior forma física, que lidamos com a carga emocional de um filme, que até certo ponto (para sermos sinceros, antes do epílogo) evita emoções bacocas típicas de um ensaio para as massas ou para consciencializações primárias. Aqui, o sentimento é maioritariamente silencioso e calculado para que não caia a “farsa” semi-documental que “Especiais” tece de forma a credibilizar as situações.

Dentro disso, em planos "guerrilheiros" e nas constantes fixações pelas personagens e os seus comportamentos comuns, é curioso encontrarmos aqui uma espécie de estética Stéphane Brizé (o cineasta de "A Lei do Mercado" e "Em Guerra") para iniciantes (obviamente com maior senso de “espetaculoso”), onde a ficção é o maior infiltrado numa fachada de realismo.

"Especiais": nos cinemas a 27 de fevereiro.

Crítica: Hugo Gomes