Rifkin's Festival
A HISTÓRIA: O cinéfilo Mort Rifkin (Wallace Shawn) acompanha a sua mulher, a assessora de imprensa Sue (Gina Gershon), ao Festival de Cinema de San Sebastián, em Espanha, pois teme que o fascínio dela por um cliente, o jovem realizador Philippe (Louis Garrel), não seja meramente profissional. Mort espera ainda aliviar a pressão que sente para escrever um primeiro romance que corresponda aos seus exigentes padrões.
Aqui, Mort deixa-se envolver pelos clássicos do cinema de mestres como Bergman, Fellini, Godard, Truffaute Buñuel, sobre os quais deu aulas na faculdade. O encantamento de Sue por Philippe e o desdém de Mort por este, prejudicam a já desgastada relação conjugal e a disposição de Mort apenas melhora quando conhece a Dra. Jo Rojas (Elena Anaya), uma alma gémea a quem o casamento com o intempestivo pintor Paco (Sergi López) também traz sofrimento.
"Rifkin's Festival": nos cinemas a partir de 23 de setembro.
Crítica: Daniel Antero
Quando os estúdios americanos o cancelaram, Londres, Barcelona, Paris e Roma abriram-lhes portas. "Scoop", "Vicky Cristina Barcelona", "Meia-Noite em Paris" ou "Para Roma com Amor" foram alguns dos filmes que permitiram a Woody Allen prosseguir a caminhada terapêutica da sua segunda juventude.
Em 2019, depois de divagar pelos anos 1920, 1930 e 1950 em novas produções - "Magia ao Luar", "Café Society", "Roda Gigante", p.e. - Allen sentiu que necessitava de férias, repor energias e reavivar as reminiscências das artes que o encantaram: o cinema, a música, a arquitetura, a psicanálise.
Assim, depois de 56 anos de carreira e 48 filmes, em jeito de agradecimento, homenagem, férias e recompensa, Allen, que à data das filmagens do seu 49º projeto contava com 83 anos de idade, retornou ao presente europeu, à cidade veraneante de San Sebastián e ao seu festival de cinema. Imaginamo-lo deitado na sua toalha de praia, banhando os pés no Mar Cantábrico, escrevendo mais uma página no seu diário de terapia ininterrupta…
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"Rifkin's Festival" revive os motivos habituais, explorados vezes sem conta. De tom irónico, espirituoso, por vezes complacente, noutras melancólico, Allen coloca agora na personagem de Mort Rifkin (Wallace Shawn) as suas neuroses e devaneios.
Mort é um escritor e professor de cinema com o casamento em declínio e em bloqueio criativo. Em San Sebastián, durante o festival de cinema, encontra um novo interesse romântico que lhe traz ímpeto para enfrentar a vida. Entre privilégios, cocktails, idas ao médico e passeios pelos mercados, o nova-iorquino vai aliviando a dor e revivendo memórias.
Galgando a beleza da cidade espanhola (banhada pela luz do lendário diretor de fotografia Vittorio Storaro) e sonhando noite após noite, Mort e Allen em simbiose psicanalítica e cinematográfica, começam a sobrepor à realidade vinhetas oníricas a preto e branco, que evocam as suas questões existencialistas, amorosas e criativas.
Estas sequências são pastiches de grandes obras do cinema, onde Allen e Mort se projetam e analisam, injetando paixão e alguma dúvida na nostalgia. De “O Mundo a Seus Pés", de Orson Welles, a “A Máscara” e “O Sétimo Selo”, de Ingmar Bergman, passando por “O Anjo Exterminador”, de Luis Buñuel, e “8 ½”, de Federico Fellini, até “O Acossado”, de Jean Luc Godard, e “Jules e Jim”, de François Truffaut, entre outras referências, revivemos com eles as suas justificações e clarividências sobre a vida vivida e por viver.
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Se por um lado acompanhamos esta vénia ao cinema clássico, por outro, Allen não deixa de apontar a sua ironia e aversão aos autores contemporâneos, aqui representados por Louis Garrel, que no papel de Phillipe (nome do pai do ator, conhecido realizador francês), é um realizador moderno, prepotente, ativista que insinua que irá mudar o mundo, mas que se reduz ao "affair" que tem com Sue (Gina Gershon), a esposa de Mort.
Filme para os fãs de Woody Allen, especialmente aqueles com conhecimento cinéfilo, "Rifkin´s Festival" é, como sempre, um reflexo da alma do realizador. Mas também do corpo e da energia, que agora é mais branda e lenta.
Dado o talento e o passado do velho mestre, não é de estranhar que esta intrincada representação humana dos valores da arte se tenha transformado em filme. Mas de alguma forma, também sofreu do ócio e do tempo. Como a imagem de Allen na praia em cima descrita, a mente viajou, o corpo descansou...
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