A HISTÓRIA: Inspirado em tempos verídicos. 1939. Em plena Segunda Guerra Mundial, o austríaco Franz Jägerstätter rejeita lutar pelos Nazis, não jurando lealdade a Hitler. Uma família feliz acaba de ser destruída quando Franz é preso por traição, deixando a sua mulher e os seus filhos sozinhos, no meio do maior conflito da história da humanidade.


Era em tempos um dos vultos mais misteriosos a operar em terras "hollywoodeanas", quer pela distância entre os seus filmes, quer pela própria figura, fugitiva aos holofotes, imprensa e até mesmo aos teóricos.

Sim, falamos de Terrence Malick, o realizador vindo de um bucolismo esotérico que caminhou diretamente para o Sol ao encontro de uma linguagem sua e definitiva. Talvez o tenha alcançado com a “descoberta” do digital, encurtando o dito hiato entre filmes (vale a pena relembra que entre “Dias do Paraíso”, a sua segunda longa-metragem, e “A Barreira Invisível” conta-se um intervalo de 20 anos) e adquirindo a liberdade criatividade desejada em oposição de uma ilimitação logística e tecnológica.

Entretanto, a caótica edição de um “Cavaleiro de Copas” (2015) ou de “Música a Música” (2017) colocaram-no como a definição pura do cinema de autor perante o senso comum norte-americano, mas isso afastou-o de um público próprio, gerando mesmo um repúdio de algum dos seus mais acérrimos defensores.

Em particular, nestas duas obras notava-se um descuido voluntário na narrativa, uma corrente de imagens soltas em perpétuo falso-raccord, sem interações entre as personagens que se proclamavam como “bonecos” ao serviço de uma incansável voz-off. São marcas que se foram agravando, tornando os filmes quase crípticos e, sob essa decifração, fúteis.

Possivelmente, o fracasso descomunal de “Música a Música” fê-lo repensar os métodos de processo criativo e com isso ceder, retrocedendo alguns passos. Nesse processo está efetivamente o equilíbrio narrativo entre o Malick do século XXI e o Malick do século XX, ou seja, a convencionalidade do "storytelling" e os seus rasgos de esoterismos "tarkovskiano" [o cineasta russo Andrei Tarkovsky, a sua influência estética].

No seio desta "diplomacia de teores", deparamos com a história do austríaco Franz Jägerstätter, um objetor de consciência que recusou lutar pelos Nazis na Segunda Guerra Mundial. “Uma Vida Escondida” encarrega-se de prestar um embelezamento dessa mesma determinação, enquanto explora emocionalmente e filosoficamente todo o percurso ético e moral e a oposição de tempos conturbados, de diálogo direto para com a nossa atualidade.

É o melhor de dois mundos, assim por dizer: de um lado, a magnificência visual que só Malick parece traduzir nas suas imagens e por outro, o regresso da comunicação. Sim, as personagens voltam a comunicar-se entre si, a interagir para além dos "reels" magnéticos e enclausurados, resultando assim num filme de emoções que embatem na violência incompreensível.

Portanto, Malick coloca o destino do seu filme no romance, este vivido por August Diehl e Valerie Pachner, que resgatam as suas personagens dos iminentes esboços, aqueles que parecem compor o resto da “paisagem”. É aqui que, por entre as transições de um realizador meramente visual em conformidade com um realizador preocupado com os seus arcos narrativos, nos deparamos com uma força invisível, uma carga dramática trazida por um terceiro tomo de um portento humanista. Não nos recordávamos de ver Malick sob tais vestes de dramaturgia crua e dura.

Face às vitórias conquistadas através de certas derrotas (o tal recuo autoral), “Uma Vida Escondida” é um filme de exposições que se atenta na sua artificialidade. Nisso há cumplicidade com o breve pintor que surge a certa altura na ação, pintando a capela com imagens sacras enquanto profere - "Pinto sofrimento, mas não o vivi". Terrence Malick não o viveu de facto, mas é a sua capacidade de extrair beleza nesse campo nefasto que o torna no cineasta misterioso que é hoje visto, mesmo quando aparece mais vezes...

"Uma Vida Escondida": nos cinemas a 16 de janeiro.

Crítica: Hugo Gomes

Trailer: