"Pagamos bilhete para virmos para aqui ver televisão", dizia alguém no meio do público na quinta-feira, o dia do arranque do Optimus Alive!10. Mas a afirmação também faria sentido em relação a alguns concertos de ontem, sendo o mais óbvio o dos Gossip no Palco Super Bock.

Os espectadores mais sortudos conseguiram mesmo ver o trio norte-americano na "televisão" - ou seja, nos dois ecrãs ao lado do palco -, já os menos afortunados (e que não tinham lata para furar caminho entre a ultra-compacta multidão) contentaram-se em escutar a voz inconfundível e portentosa de Beth Ditto ao longe (tão longe que quase ouviam melhor o som do Palco Optimus Clubbing).

Ainda assim, a actuação dos Gossip foi tão boa que mesmo os espectadores mais afastados do palco não arredaram pé. Já o tinha sido há dois anos, quando a banda esteve pela primeira vez no Alive!, e ontem terá decerto convertido mais fãs.

Dizer que Beth Ditto encheu o palco não é necessariamente fazer uma piada com a aparência da senhora (a obesidade da vocalista acaba por ser quase sempre assunto quando se fala da banda). Não, Ditto destilou simpatia, empenho e energia e mesmo quem não se interesse pela música dos Gossip dificilmente dirá o contrário.
Mas a música também não foi nada má. O alinhamento deu quase sempre prioridade às canções do disco mais recente da banda, o muito eficiente concentrado de pós-punk com acessos synth pop chamado "Music for Men". E foi aos homens (em especial aos que se apaixonam por outros) que a mestre de cerimónias dedicou "Men in Love". Voltou a falar de amor quando lamentou não saber português e pediu ao público que lhe ensinasse alguma coisa. Saiu-lhe um "amo-te" que soou a "amúte", mas ninguém se importou. E como o amor andou no ar, a despedida ficou por conta de um trecho de "I will always love you". Sim, a canção de Whitney Houston, que no final já não se estranhou depois de Ditto ter cantado "What's Love Got to do With it?", de Tina Turner (as versões incluiram ainda um excerto de "One More Time", dos Daft Punk).

Para o público foi o delírio, talvez ainda mais do que nos concertos de Florence + the Machine e The xx, que marcaram o mesmo espaço no dia anterior. E quando o efeito é este um single forte como "Standing in the Way of Control" (o mais popular dos Gossip) pode ser despachado logo ao início, até porque o seu sucessor "Heavy Cross" ficou muito bem a fechar (acompanhado por uma pequena invasão de palco a convite de Ditto, embora menor do que a de há dois anos).

Os pequenos póneis cresceram

Outro caso de consagração indie com uma mulher forte ao comando, o concerto dos New Young Pony Club, também no Palco Super Bock imediatamente antes, nem precisou de arrebatar tanto para ser delicioso.

O quinteto londrino defendeu com despretensão e confiança o seu segundo álbum, o recente "The Optimist", e quem os acusou de bandinha da moda na altura da estreia, hátrês anos, terá engolido as palavras. Muito bem recebido num ambiente onde a euforia foi quase geral (sobretudo nos picos de canções como "We Want To" ou "Tight Fit"), o grupo foi uma óptima banda-sonora para o início da noite.

Linhas de baixo viciantes contaram com a cor de teclados ou sintetizadores, elementos que rechearam a voz da expedita Tahita Bulmer. Expedita ou sexy, como foi chamada por alguns espectadores. A vocalista não hesitou em responder ao piropo: "Sim, sou sexy. E vocês também são um público muito sexy. E muito bronzeado". E depois de um concerto que passou a correr, fica a pergunta: para quando uma actuação em nome próprio?

Regressos com sabor a anos 90

No Palco Optimus, o maior do festival, o panorama nem sempre foi tão envolvente. Os cabeças-de-cartaz Deftones regressaram a Lisboa apenas dois meses depois da sua última actuação por cá, e também por isso as surpresas não foram muitas. "Diamond Eyes", o novo disco, perdeu na comparação com as recordações de "White Pony", e mesmo estas não foram suficientes para evitar que algum público permanecesse sentado durante a actuação. Mas para os fãs parece ter valido a pena e muitos cantaram e saltaram com um radiante Chino Moreno (mais magro do que nos anos 90, como alguns comentavam, e com o mesmo entusiasmo).

Directamente dos anos 90 vieram também os Skunk Anansie. Skin mostrou-se igualmente inefável, como de resto sempre foi, ao longo de uma actuação em claro registo best of (o que não admira, já que a primeira compilação de singles da banda é a sua edição mais recente). Pelo meio ouviram-se alguns temas novos, mas sem acolhimento comparável ao de "Weak", "Selling Jesus" ou "Hedonism (Just Because You Feel Good)", receitas certeiras para os convertidos.

Um pesadelo ao final da tarde

Ainda nos domínios do rock, mas cantado em português, o concerto dos Mão Morta passou pelo Palco Optimus quando o sol ainda brilhava. O cenário foi atípico para uma banda de travo quase sempre sombrio, como o atesta o título do seu novo disco, "Pesadelo em Peluche", registo que funciona melhor ao vivo. E embora essas canções resultem - com destaque para "Fazer de Morto" ou "Teoria da Conspiração" -, não ficam nada mal acompanhadas com a densa "Velocidade Escaldante" ou a festiva "1º de Novembro". De qualquer forma, é provável que daqui a uns dias, em Paredes de Coura, este pesadelo assuste mais do que numa tarde solarenga e ainda pouco movimentada.

Rockar ou dançar até fartar

O Palco Optimus recebeu ainda o rock dos Jet e dos Manic Street Preachers, um contraste com os territórios mais hip-hop ou dubstep (trilhados pela editora Enchufada) no Palco Optimus Clubbing (onde brilharam, por exemplo, os Macacos do Chinês num DJ set imparável ao fim da tarde, dando depois lugar aos PAUS ou Buraka Som Sistema). Do lado direito, no Palco Super Bock, houve quem dançasse ao som dos Hurts (em estreia nacional), Holy Ghost!, Booka Shade ou Bloody Beetroots (com electro demolidor a inicitar mais uma enchente já durante a noite).

Para este sábado, o terceiro e último dia do Alive!10, estão agendados os LCD Soundsystem, Pearl Jam, The Legendary Tigerman (e todas as convidadas do seu "Femina"), Gogol Bordello, Simian Mobile Disco ou Peaches. O problema, como nos dias anteriores, vai ser escolher.

Texto @Gonçalo Sá

Fotos @Vera Moutinho